quinta-feira, 20 de junho de 2013

O Bósforo que acendeu o rastilho

A Turquia é um país em crescimento demográfico acelerado, o que a pode tornar o país mais populoso da União Europeia – isto se alguma vez a ela pertencer, o que é duvidoso. O que é certo é que se trata de uma sociedade estruturalmente muito jovem. Coincidência irónica, o poder actual faz os possíveis para apagar da História os Jovens Turcos; estes começaram por ser um movimento político do início do século XX que advogava a evolução da monarquia otomana, absolutista, sonolenta e corrupta. A forma agressiva e ditatorial como este partido acabou por impor as suas ideias fez com que o termo “jovem turco” se aplique hoje a quem, dentro de uma organização, a tente reformar de forma radical e progressista.

Os duplos jovens turcos – figurativos e reais – da praça Taksim, em Istambul, acabam de incendiar um rastilho potente. Tudo começou a 28 de Maio (curiosamente uma data negra para Portugal, dia do golpe militar que abriu caminho à ditadura) quando os bulldozers começaram a arrancar as árvores centenárias de um dos pouquíssimos parques da asfixiante cidade de Istambul; um pequeno grupo de 50 pessoas resolveu resistir pacificamente, colocando-se em frente das máquinas. A polícia dispersou-os. Eles voltaram. As redes sociais, com destaque para o Twitter, começaram a fervilhar, como fervilharam em tantas outras revoluções recentes. O protesto cresceu. A polícia começou a atirar gás lacrimogéneo sobre os manifestantes, pacíficos ou não. Estes multiplicaram-se. A 3 de Junho, não apenas a maior cidade da Europa (Istambul) mas toda a Turquia urbana estavam em convulsão social.


O governo islamista turco pode não cair, mas a sua máscara já o fez: logo no primeiro dia de protestos, o primeiro-ministro Erdogan ventilou a sua fúria contra os fundadores da república laica, entre eles o venerado Kemal Atatürk: “são uns bêbados”, disse. A proibição do álcool desejada pelo seu partido religioso, tal como a vigilância de costumes (“nada de beijos em público”, dizem os altifalantes no metro), fazem parte da lista de queixas dos manifestantes. O parque vai ser destruído para ali ser feito mais um centro comercial, mas também poderia ter sido para uma nova mesquita – o governo de Erdogan já construiu 17 000, em apenas 12 anos. É assustador, e é difícil chegar a sabê-lo, já que o país está amordaçado: as redes sociais (“a nova praga da nossa sociedade”, diz o PM) são controladas, as tv mostram programas de culinária enquanto a polícia bate em civis no centro de Istambul. A Turquia detém o recorde mundial de jornalistas na prisão. O seu vizinho oriental, a Síria, passou os últimos dois anos em autodestruição por causa de um governante ditatorial e autista; a ocidente, também sentada em cima de um barril de pólvora social, está a Europa. E o rastilho de Istambul (uma semana após outros confrontos similares nas ruas de Estocolmo) já fica bastante próximo, cada vez mais próximo. Olhemos para lá com atenção, porque é um ensaio para o Inverno do nosso próprio descontentamento.

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