quinta-feira, 20 de junho de 2013

Mais arrogância, por favor

Este não é um texto sobre desporto, que para isso há secções do jornal mais adequadas; é sim sobre símbolos, marcas e percepções. O ponto de partida é a recente, ainda que não surpreendente, quebra de contrato entre o português José Mourinho e o “maior clube do século XX” (eleição da FIFA), o Real Madrid.

Mourinho construiu uma imagem fortíssima: não é por coincidência que a sua “marca” funciona melhor em determinados mercados que em outros. Funciona, nomeadamente, bem em Inglaterra (e é aqui que Mourinho vai voltar a vender o seu produto), dado que as características particulares dos ingleses os fazem adorar personagens “bigger than life”, primas donnas controversas e apaixonantes que involvam as massas na sua grande gesta. O homem Mourinho é assim, uma espécie de Vasco da Gama da sua profissão – mas esta não é uma comparação grandiloquente, apenas me refiro aos perfis de liderança de cada um: também o navegador era um antagonizador empedernido, por vezes quase cruel, que dividia completamente as opiniões e grangeava muitos inimigos, mas também muitos fiéis dispostos a lutar com ele pelos objectivos altamente ambiciosos a que se propunha.

Vasco da Gama, depois de se ter libertado da lei da morte deixando o seu nome para sempre gravado na História, também teve os seus períodos mais humanos. Ao regressar da primeira viagem à Índia, foi-lhe atribuída a sua pequena vila natal de Sines; mas a sua administração como alcalde revelou-se muito pouco competente. Já Mourinho no Real Madrid não foi um fracasso total: elevou os níveis competitivos de um clube que andava a falar em “maldição dos oitavos-de-final”, e venceu uma liga obtendo nada menos de 100 pontos (e contra o Barcelona). Mas o gestor futebolístico de Setúbal, que até nem fica longe de Sines, entrou no clube como o melhor treinador do mundo e sai apenas como um dos melhores, desgastado, conflituoso, incompreendido, perdedor. E – o que seria uma novidade – parecendo desorientado.

O profissional Mourinho regressará ao topo. Mas para já, é merecedor de um bem-haja pela enorme mais-valia que representa para a marca “Portugal” e todos os que dela beneficiam – ou seja nós, portugueses. Para um país, produzir um ou dois grandes jogadores de futebol não produz efeitos fora do desporto em si, até porque grande parte do talento para jogar é inato (e logo, “fortuito”). Mas as qualidades simbólicas transmitidas por um gestor como Mourinho são aquelas de que mais necessitamos não só para valorizar o “Made in Portugal”, como mesmo a um nível psicológico mais profundo, que pode vir a ser importante na forma de lidar com os tremendos desafios individuais que cada um de nós enfrenta. José Mourinho é um líder, e é atento, completo, meticuloso, ambicioso, inspirador, corajoso, provocador, preparado. E muito seguro de si. Tanto que a sua transbordante (auto)confiança é amiúde confundida com arrogância – mas francamente, tão melhor estariam os portugueses espalhados pelo mundo, e tão mais bem-sucedidos seríamos, se essa arrogância (sempre justificada, claro) fosse nosso património comum.

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