domingo, 21 de novembro de 2010

E se o Benelux passasse a... Bruvaflanelux?

A Bélgica decidiu assinalar a rentrée com uma das especialidades locais: um espectacular falhanço político que coloca em causa, mais uma vez, a própria existência do país enquanto tal. Depois de nos anos 1940 a união aduaneira entre Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo ter criado o “Benelux”, servindo ao mesmo tempo de percursora para a União Europeia, o antes impensável torna-se cada vez mais possível: significaria retirar o “Be” e adicionar três novas abreviaturas à sigla, Bru(xelas), Va(lónia) e Fla(ndres).

Rápida cronologia dos acontecimentos: eleições em Junho revelam um país partido entre a esquerda na Valónia (o PS) e a direita radical na Flandres (o novo fenómeno eleitoral do NV-A), condenados a entenderem-se na premente reforma do pesadíssimo Estado belga, bem como na criação de um governo que assegurasse a presidência rotativa da União Europeia. O rei cria a nova figura do “pré-reformador”, a personalidade que procurará um acordo de Estado, tarefa que cai nos braços do líder do PS: Elio di Rupo junta 7 dos 8 maiores partidos do país (3 valões, 4 flamengos) para discutir concessões dos dois lados da barricada. Em 58 dias de trabalho, aconteceu de tudo neste “comité de pré-reforma”, desde os momentos de descontracção (como a partilha de doces trazidos de umas férias na Turquia da líder do CDH) aos de amargura apocalíptica (“Se não houver acordo sobre o estatuto de Bruxelas, preparem-se rapidamente para o fim do país”, ameaçou De Wever, líder flamengo).

O acordo esteve perto. A proposta final do “pré-reformador” di Rupo era ambiciosa e continha imensas concessões dos valões aos flamengos, impensáveis há apenas três anos: abandono das prerrogativas linguísticas nas comunas em redor de Bruxelas, transferência imensa de competências (e de mais 15 mil milhões de euros) do Estado central para as regiões, a promessa de uma nova lei de financiamento, e um montante (250 milhões de euros) para refinanciar a depauperada capital do país. Na prática seria uma nova Bélgica moldada à imagem flamenga, e convenceu cinco dos sete partidos. Mas no último dia, sexta-feira, o NV-A e o CD&V rejeitaram o histórico acordo. Di Rupo apresentou a sua demissão no mesmo dia, e o rei voltou a chamar líderes políticos ao seu palácio. O castelo de cartas ruiu mais uma vez, a possibilidade de (mais umas...) eleições gerais é real; e na grande questão que paira há tempos - os partidos flamengos agitam o fantasma do separatismo para obter ainda e sempre mais ganhos políticos ou desejam mesmo o fim da Bélgica? -, a segunda hipótese ganhou mais adeptos. Uma frase do discurso de demissão de di Rupo ainda ecoa nos ouvidos belgas: “Espero que possamos continuar a viver juntos em paz”. Preparem-se para o possível impensável, parecia querer dizer.

Sem comentários:

Enviar um comentário