domingo, 21 de novembro de 2010

Viagem ao centro da Terra

“Axel –disse o professor, numa calma imperturbável – a nossa situação é quase desesperada; mas há algumas possibilidades de salvação, e é a elas que me agarro. Se é verdade que a qualquer momento podemos sucumbir, também o é que a qualquer instante poderemos ser salvos.”

Assim falava o professor Lindebrock no livro de 1864 “Viagem ao centro da Terra”, de Júlio Verne. Mas poderiam ter sido palavras proferidas em 2010 por Luís Urzúa, o homem que aos 54 anos de idade (e 30 passados nas minas) liderou os mineiros chilenos por 69 dias de soterramento. Urzúa, um homem moldado na adversidade extrema – o pai comunista e o padrasto socialista foram assassinados pelos esquadrões da morte de Pinochet – foi o último a ser resgatado ao local do cativeiro, a 700 metros de profundidade, no epílogo de uma viagem ao centro da Terra em jornada laboral que se transformou em catástrofe. O mais difícil aconteceu logo nas primeiras duas semanas – incomunicáveis, sem que ninguém soubesse onde eles estavam, Luís racionou a comida que detinham: cada um dos 33 mineiros recebia duas colheres de atum, meio copo de leite e meia bolacha a cada dois dias. Alguns beberam água das máquinas, misturada com combustível. Quando foi finalmente escavado um pequeno túnel de contacto, os mineiros escrevinharam um papel que, ao chegar à superfície, arrepiou o mundo: “Estamos bem no refúgio os 33”. Talvez algum dos mineiros tenha até a verve literária de um Júlio Verne – veremos certamente em breve, dado que os contratos para livros e filmes sobre a sua história chovem sobre estes novos heróis. Por enquanto, uma pequena linha de texto sem pontuação escrita a marcador vermelho já foi suficiente para nos emocionar. Demonstração do poder da mensagem.


A extraordinária história dos 33 mineiros chilenos (para ser mais preciso, um deles é boliviano) vai ficar, na verdade, marcada a tinta vermelha na nossa consciência colectiva porque é uma saga heróica, admirável, que realça algumas das qualidades mais belas da essência humana. Eles precisaram de nós, e nós não os abandonámos: os poderes públicos, empresas privadas como a Collahuasi (que forneceu o seu equipamento sem cobrar nada), engenheiros, cientistas, jornalistas, e um público global que seguiu avidamente e com mensagens de apoio a sorte dos cativos constituíram um formidável esforço de mobilização que foi recompensado. Esta é uma vitória do espírito humano e também de uma das suas conquistas, a ciência: estamos em 2010 e a nossa espécie consegue, hoje em dia, fazer algumas coisas extraordinárias, corrigir erros passados e contribuir para a felicidade de todos. Que bela variação das habituais notícias sobre guerras, desastres e orçamentos. Que belo nome para o acampamento que recebeu os mineiros à superfície: Esperança.

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