domingo, 21 de novembro de 2010

Palavras insensatas, círculos viciosos

8000 pessoas de etnia cigana expulsas de França em 2010. O Papa fez, em francês, um apelo à tolerância da diferença, subtilmente dirigido à França; um intelectual alinhado com o presidente francês alegou que “João Paulo II talvez pudesse condenar deportações, mas um papa alemão não tem esse direito”. O tom ficou ainda mais feio depois da intervenção da Comissão Europeia, que tem a obrigação de defender os Tratados – e consequentemente, a livre circulação de cidadãos entre os Estados-Membros, bem como o respeito das minorias. Barroso falou em “responsabilidade” e na necessidade de “não despertar os fantasmas do passado europeu”. A resposta áspera do ministro francês dos Negócios Estrangeiros foi, já de si, exemplar dos tempos estranhos que vivemos na arquitectura democrática europeia: “A Comissão pode dizer o que bem lhe apetecer. A França é um país soberano e não está em tribunal”. Um dia depois, a luxemburguesa Viviane Reding ameaçou pôr mesmo a França perante o Tribunal de Justiça, sedeado no Grão-Ducado. Mas foi a descoberta de uma instrução do ministro do Interior francês para o “desmantelamento de 300 acampamentos ilegais com prioridade aos ciganos” que forneceu a prova de imoralidade que faltava e fez Reding perder a cabeça. “Esta é uma situação, julgava eu, a que Europa não teria de voltar a assistir depois da II Guerra Mundial”. Seguiram-se segundos de silêncio estupefacto. Até porque a Europa, desgraçadamente, já assistiu (e o problema é que o verbo é mesmo esse, em vez de “interviu” ou “resolveu”) a muito pior: aconteceu entre 1992 e 1995 no território da antiga Jugoslávia.

A Comissão demarcou-se subtilmente das palavras da luxemburguesa, que se retratou ela própria no dia seguinte. Mas o debate já não é o mesmo. Mais uma vez, tornámos um problema ainda mais complicado ao compará-lo com o incomparável – o mal absoluto encarnado no nazismo. Não por acaso, a lei luxemburguesa proíbe a menção gratuita aos campos de concentração nazis na imprensa; é uma medida sensata que ajuda a que a discussão se mantenha em níveis sensatos. Livre de bom-senso, Sarkozy continuou a senda de disparates e ofereceu os ciganos ao Luxemburgo, “já que eles gostam tanto deles”.

Entretanto, os problemas dos ciganos (também chamados de Roma ou Romani) agudizam-se. Os indicadores socioeconómicos estão abaixo da média europeia em tudo o que importa: saúde, educação, esperança de vida, emprego, rendimento. E acima em criminalidade. Aqui nasce a discriminação da sociedade, que vem gerar ainda mais exclusão, que gera mais criminalidade, e assim por diante... o círculo vicioso tem de ser quebrado em algum lugar, possivelmente pela integração escolar – em Barcelos, por exemplo, a turma “exclusivamente cigana” acaba de ser misturada com outras. Medidas populistas como a deportação em massa, em compensação, só agravam um problema cigano que é também, incontornavelmente, um problema europeu. Não podemos dar-nos ao luxo de marginalizar ninguém, precisamos de todos para construir uma Europa competitiva.

1 comentário:

  1. Тема за безконечен дебат. Много се е писало и говорило за това, но поне в България уж големите усилия на държавата и неправителствения сектор никога до сега не са дали резултати и да, човешката мизерия сред ромите е по-голяма от всякога.

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