O Titanic afundou-se há exactamente um século atrás; há duas semanas foi o Costa Concordia (um navio que era na realidade maior que o Titanic, três vezes mais pesado e transportava o
dobro dos passageiros) a fazê-lo. A História repete-se sempre - mas da segunda vez, como farsa: a viagem de cruzeiro não tinha outro propósito que não o puro lazer, e a colisão do navio deu-se apenas duas horas após a sua largada. Aliás, as comparações entre Titanic e Costa Concordia não fazem com que os nossos tempos fiquem bem na fotografia. Este acidente deu-se por razões de pura vaidade - a pirosice de querer saudar os trausentes, fazendo o barco passar a poucos metros de uma ilha rochosa em vez dos programados 5 km... Mas ainda acima disto, levanta questões mais agudas que se levantam têm a ver com a responsabilidade individual e colectiva.EJ Smith, o capitão do Titanic, foi ao fundo com o seu navio, como exigia a ética dos seus tempos — a mesma que permitiu salvar muito mais passageiros da 1.ª classe que das 2.ª e 3.ª, mas isso já é outra história. Schettino, o "fanfarrão" (como ficou conhecido), não lhe podia estar mais distante: provocou o acidente com a sua rota perigosa (alegando agora que tal foi um pedido da companhia); nada decidiu, entrou em pânico e refugiu-se na sua cabina "para ir buscar alguns pertences"; escondeu da companhia a verdadeira dimensão do problema; tardou uma longa hora em dar a ordem de abandono do navio; e pirou-se do mesmo o mais rápido que conseguiu, quando centenas de pessoas ainda lá estavam encerradas, algumas delas para sempre. Agora alega que "escorregou e caiu dentro de um bote salva-vidas" (curiosamente, aconteceu o mesmo ao seu primeiro oficial de bordo).
As perguntas são: como é possível que a este homem seja confiado o barco-estrela da companhia, capaz de acolher 5000 almas? Que terá feito este homem para alcançar tal relevante posição entre tantos outros que detêm a responsabilidade, competência, ética e bravura que ele demonstra nunca ter tido? A conversa gravada entre Schettino e De Falco, o homem da capitania do porto que lhe grita para voltar ao navio ("quer ir para casa, é? Está escuro e quer ir para casa? Volte para bordo, car...!") não contém as respostas, mas dá-nos algo mais importante: a reconciliação, a capacidade de voltarmos a acreditar nas pessoas e nas qualidades humanas. De Falco é agora um herói instantâneo em Itália, e a sua esposa proferiu as palavras mais sensatas da semana: "É preocupante que pessoas como o meu marido, que simplesmente cumprem o seu dever e fazem o seu trabalho, se tornem ídolos e personalidades. Isso não é normal". Mas quem disse que vivemos tempos normais?



É assim que, amiúde, a grande reunião familiar do ano proporciona momentos interessantes, memoráveis, até incontroláveis (no sentido positivo do termo). O escritor anglo-americano Christopher Hitchens, um autor altamente polémico até pelas suas opiniões cáusticas sobre religião, conhecia bem os traços do seu impossível carácter e usava o seu veneno preferido (uma marca específica de whisky) para, quando em sociedade, suavizar alguns - e afiar outros. E também para poder inspirar-se a escrever. Claro, Hitchens era um alcoólico: acaba de falecer, há menos de duas semanas, vitimado por uma doença invariavelmente relacionada com o consumo excessivo de álcool e tabaco. Há pouco tempo, sabendo que o estilo de vida que lhe tinha permitido chegar ao topo ia também acelerar o seu fim, confessou: "sim, eu sabia que o álcool continha riscos, mas decidi corrê-los porque ele acabava com os aborrecimentos... se agora me perguntasse: voltava a fazê-lo?, eu provavelmente responderia sim. É impossível imaginar a vida sem vinho a dar-me energia".