terça-feira, 23 de outubro de 2012

Homenagem à Catalunha

“Homenagem à Catalunha” é o título do amargo livro escrito por George Orwell contando na primeira pessoa as experiências como combatente na guerra civil espanhola. Orwell descreve como as Brigadas Internacionais que procuravam defender o governo eleito e resistir à sublevação de Franco se deixaram infiltrar por agentes estalinistas, e como a causa se tornou perdida em 1938; sendo uma das últimas partes de Espanha a cair nas mãos do exército franquista, a Catalunha pagou caro a sua resistência. O novo regime de extrema-direita procurou, após eliminar fisicamente os seus mais perigosos opositores, reprimir qualquer expressão de excepcionalidade catalã. A língua foi, como sempre, a primeira a ser proibida.

Mas o orgulho catalão não tinha começado como resposta a Franco, e também não desapareceu com ele. A região rebelou-se periodicamente contra a ingerência central e imperial de Madrid – e a revolta de 1640 desempenhou um papel fulcral na recuperação da independência de Portugal, ao obrigar o rei em Madrid a deslocar o grosso das suas tropas para Barcelona –, nunca deixando de suspirar por um estatuto especial, com cada vez mais autonomia, dentro do Estado-nação espanhol. Nada que abalasse, no entanto, o status quo instalado e a imutabilidade do Reino de Espanha dentro da União Europeia.

Só que nós vivemos tempos em que a mudança é a única constante, e em que o impossível rapidamente se torna provável e em seguida inevitável. A crise, esse pretexto magnífico concretizado na maior dívida pública de uma região espanhola, justificou na Catalunha os mesmos cortes desesperados tentados noutras regiões de uma Espanha sem rumo; o ressentimento anti-Madrid cresceu. Sentindo o pulso ao eleitorado que enche as ruas (e o estádio do Barça) com a bandeira vermelha e dourada, o líder regional, Artur Más, aproveitou a oportunidade para exigir do Estado central mais poderes fiscais – por outras palavras, quis deixar de financiar as outras regiões do país com os seus impostos – e recebeu o esperado “não” como resposta. Más subiu então a parada deste peculiar jogo de poker convocando eleições antecipadas e apresentando-as como uma espécie de “referendo à autonomia”: a 25 de Novembro, a Catalunha pode ficar muito mais perto de se tornar um novo país na Europa, ao estilo jugoslavo (aliás, a extrema-direita espanhola já advoga mesmo a “solução militar” para resolver o “atrevimento da região”!). E a acontecer, tal provocaria ondas de choque em toda a Europa: aceitaria Bruxelas, capital de outro país em desagregação, a Catalunha como 28.º país da União? Poder-se-ia manter a Espanha na zona euro? Será a própria Espanha, que veria o País Basco partir logo em seguida, ainda viável e desejável?

Artur Más proferiu uma frase histórica que estava há demasiado tempo arredada dos nossos ouvidos: “O nosso futuro está dentro dos Estados Unidos da Europa”. Porque acredito que uma Europa unida alicerçada em regiões, e finalmente livre dos espartilhos napoleónicos do Estado-nação, realizará finalmente o seu potencial de espaço de crescimento, liberdade e segurança – e também por ter por certeza que várias regiões em Portugal deveriam há muito ter seguido o mesmo caminho de libertação da asfixia imposta pela volúpia do Terreiro do Paço – deixo aqui a minha própria homenagem à Catalunha e à sua nova-velha luta pela autodeterminação.

1 comentário:

  1. Gostei muito deste artigo e apoio a "nova-velha luta" catalão. Ja estou aprendendo catalão para quando seja uma lingua ofical da União Europeia.

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