terça-feira, 10 de julho de 2012

Ainda não chega

Itália derrota Alemanha e acaba por beneficiar sobretudo Espanha, a maior vencedora. Portugal, entretanto, tem uma prestação digna por entre as suas várias carências.

Poderia estar a falar do Europeu de futebol que terminou no domingo, mas não; é uma simplificação dos desenvolvimentos do Conselho Europeu “decisivo” da semana passada. A cimeira foi apresentada como decisiva para salvar a moeda europeia – a 19.ª cimeira merecedora de tal título desde o início da crise financeira. Talvez pelo cansaço acumulado, a verdade é que as expectativas em relação ao resultado de mais este jamboree dos líderes europeus eram baixas... e acabaram por ser ultrapassadas. A Itália e a Espanha ameaçaram vetar qualquer acordo enquanto a Europa (leia-se, a Alemanha da chanceler Merkel) não concedesse medidas óbvias para reduzir a asfixia financeira em que se encontram os países da periferia europeia: sem liquidez na economia nem nos bancos e obrigados a financiarem-se a taxas de juro proibitivas nos mercados.

E, às altas horas da madrugada de sexta-feira, as decisões finalmente surgiram. Os fundos europeus de estabilização (o BCE ainda não, mas tal não passa de uma questão de tempo) vão poder comprar obrigações dos países que “que cumpram com as suas reformas”, permitindo-lhes financiar-se a juros razoáveis e não depender totalmente dos intolerantes mercados; os bancos em dificuldades vão poder recapitalizar-se para poder 1. sobreviver, e 2. começar a emprestar algum capital de volta à economia. E para compor o bolo há ainda 120 mil milhões de euros que serão redireccionados para grandes projectos de infraestruturas, ajuda a regiões desfavorecidas e crédito a pequenas e médias empresas.

Estes são os primeiros passos significativos que se afastam do mantra da austeridade, do ajustamento fiscal, ou da punição pelas políticas irresponsáveis. Quase quatro anos após o eclodir da crise, mais de dois anos após a imposição deste “caminho único” (e errado), as economias europeias estão de novo a entrar em recessão, o desemprego é galopante, e não se vislumbra a luz ao fundo do túnel. Mesmo que forçado por duras negociações políticas, o fim da inflexibilidade alemã é simbólico e motivo de júbilo, dado que pode significar o primeiro passo num longo caminho de recuperação económica. E as bolsas, pelo menos num primeiro momento, reagiram em verdadeira euforia.

Só que não chega. A magnitude dos problemas é tal que estas medidas não passam de cuidados paliativos de forma a melhorar os indicadores e ganhar algum tempo, esperando pelo melhor. A discussão sobre as soluções está inquinada à partida, porque foi estabelecido – de forma acintosa e enganadora – que a origem dos problemas estava no comportamento gastador dos Estados do sul. Pelo contrário, Espanha – o epicentro actual da crise – apresentava um rácio de dívida baixo e um excedente orçamental quando a crise começou; as políticas de cortes sucessivos só têm contribuído para agudizar os problemas, que começaram antes no altíssimo nível de bens não transaccionáveis (como casas ou autoestradas) comprados com financiamento de bancos alemães... até certo ponto, o mesmo pode ser dito em relação a Portugal.

Resolver a crise exigirá muito mais visão, coragem e europeísmo do que a timidez demonstrada até agora. Exigirá, para começar, dívida pública comum, um maior papel de intervenção do BCE, e uma taxa de inflação mais alta. Esperemos que a 20.ª cimeira para salvar o euro o perceba – já perdemos demasiado tempo.

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