terça-feira, 10 de julho de 2012

Visto do outro lado

“Mulheres lindas de morrer, mais um vodka para atestar... nas noites de Budapeste é sempre a rock ‘n’ rollar”, cantavam os Mão Morta há vinte anos, num dos melhores momentos da música alternativa portuguesa. Em 1992, com as ruínas do muro de Berlim ainda frescas, a Hungria fazia parte de uma Europa também ela alternativa, algo exótica e também um tanto inóspita, certamente desconhecida. Sair de Viena e chegar a Budapeste, as duas antigas grandes capitais do magnífico império Austro-Húngaro, significava atravessar uma fronteira que até há pouco tempo era estanque, quase como saltando um muro simbólico para aterrar no conceito cultural e geográfico da “Europa de Leste”.

O tempo passou muito rápido nesta zona do Mundo, Budapeste vai recuperando a sua aparência (e espírito) de grande metrópole sofisticada, e da mesma forma também os outros países do antigo Pacto de Varsóvia, da Polónia à Hungria, da República Checa à Lituânia, se vão ocidentalizando – por vezes de forma literal, dado que nenhum habitante destes países gosta de pertencer ao Leste: a simples menção do termo a um checo arranca a imediata resposta “Praga fica mais a Oeste que Viena”, na Lituânia afirma-se que o centro geográfico do continente se encontra ali (curiosamente, Eslováquia e França defendem exactamente o mesmo). Polvilhada pelas mesmas lojas que existem em Barcelona, Londres ou Estocolmo, Budapeste já não é exótica nem alternativa; as mulheres talvez continuem lindas, mas o vodka flui menos e o rock ‘n’ roll está confinado aos grandes festivais de verão patrocinados por telemóveis. A Europa Central entrou na Europa.

Aquela fronteira indisfarçável, o muro imaginário que divide o continente, simplesmente deslocou-se para montante: passa agora nomeadamente pela linha que separa a Ucrânia da Polónia, organizadores conjuntos do Euro2012. A competição está a ter o efeito indesejado de mostrar ao mundo o fosso que separa os dois. Na Polónia, membro da União Europeia (e da NATO), as cidades estão preparadas, os estádios são óptimos, as comunicações são fáceis; do outro lado, na Ucrânia, o standard é bem diferente. Chegar é logo difícil, dado que não há muitos voos e nas fronteiras terrestres a espera e a burocracia fazem lembrar outras eras; mover-se dentro do enorme país também não é divertido, com poucas estradas novas e comboios antigos que páram em todas as estações. O problema do alojamento seria anedótico não fosse grave, já que (à excepção de em Kiev) existem pouquíssimos e maus hotéis, e os que existem permitem-se cobrar somas verdadeiramente exorbitantes aos incautos turistas, numa ganância extrema que provocou inusitadas críticas da própria UEFA e do governo ucraniano. E depois há as questões que denotam amadorismo, como novos estádios construídos em sítios ermos que obrigam os adeptos de ambas as equipas a lutar corajosamente por um lugar num autocarro apinhado para voltar para casa (o que é inseguro), ou em alternativa a caminhar misturados por quilómetros (o que é ainda mais inseguro... até porque no futebol do país persistem problemas de violência e racismo).

Ainda do outro lado do muro, a Ucrânia não estava preparada para o Euro2012; várias vezes foi avisada que poderia perdê-lo. Mas agora a grande competição está a decorrer, e é possível que chegue ao seu termo sem nenhum choque de monta. E terá certamente efeitos positivos – o contacto dos habitantes com o diferente, e a própria melhoria da imagem que os outros europeus têm do país. Pelo menos a equipa que ganhar o Euro ficará a gostar muito da Ucrânia – esperemos que aquela seja Portugal, mas na minha opinião as probabilidades de tal sucesso são muito escassas.

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