terça-feira, 10 de julho de 2012

O próximo grande projecto

O ideal europeu moderno não nasceu após uma boa noite de copos, nem muito menos após um festival de música de estádio tão cheio de boas intenções como de más performances. A Europa Unida, o sonho europeu encarnado em nomes tão diversos como Estados Unidos da Europa, Comunidade Europeia do Carvão e do Aço ou a actual União Europeia, foi a nossa resposta aos horrores da guerra. Foram as ruínas a que o nosso continente se viu reduzido, uma vez mais, em 1945 a definitivamente nos abrir os olhos para a necessidade de concretizar a utopia de alguns visionários. O projecto europeu era e é, antes de tudo o resto, um projecto de Paz; e após milénios de lutas intestinas, os seus integrantes - nós - conhecemos actualmente o mais longo período ininterrupto sem guerras internas de sempre. São apenas 67 anos, mas nunca tinha sido conseguido antes.

A Europa nasceu como resposta a uma crise - é esta a sua génese e, até certo ponto, o seu alimento. Através de grandes ou (mais frequentemente) pequenos passos, a força integradora do continente soube inspirar-se nos escolhos do caminho. É extraordinário ver hoje o edifício que, tijolo a tijolo, camada a camada, foi construído pelos homens que lideraram o processo, grandes políticos europeus de outras eras: as pegadas de Monnet, Schuman, Rey, De Gasperi, Spaak, Schmidt, Kohl, Miterrand, González, Delors e tantos outros foram deixadas em conjunturas económicas também difíceis, sem maior sustentação pública que a de hoje em dia, pisando o terreno historicamente inexplorado dos inimigos de ontem que decidiram juntar-se no amanhã. A sua inspiração é sentida hoje em dia por líderes fracos, indecisos ou populistas - não é possível esquecer o desabafo recente do velho Helmut Kohl que, referindo-se à sua sucessora Angela Merkel (do mesmo partido), lamentou amargamente que "ela esteja a destruir a minha Europa". Mas por muito populista que a presente geração de líderes seja, por muito pouco clarividente ou mesmo mesquinha que seja a sua baixa política nacionalista, o legado da construção europeia é demasiado precioso para pôr em causa. Está entranhado no sangue dos diversos Estados, está na nossa consciência e no nosso coração: não garante céus azuis nem um futuro róseo, mas pelo menos impede as elites dirigentes mais responsáveis (os extremos do espectro político estão isentos desta classificação) de alimentarem a ideia de que problemas globais poderiam ser resolvidos isoladamente, fora dos Tratados, fora das instituições europeias.

Hallstein, o primeiro presidente da Comissão agora liderada por Barroso, usou a famosa "imagem da bicicleta" para explicar porque era necessário um movimento constante para a frente, na direcção de novos projectos integradores: se a Europa parasse, poderia, tal como a bicicleta, cair. É de um novo projecto que a Europa agora precisa, apesar de nenhum dos anteriores estar adequadamente concluído; nem o mercado interno, nem a livre circulação de pessoas, a voz europeia afinada no mundo, a verdadeira governação política, ou (muito menos) a moeda única. Mas a crise actual já sugeriu soluções impensáveis até há poucos anos, como o direito da UE intervir nas políticas macroeconómicas de cada membro e, a prazo, a criação de um verdadeiro governo económico comum, acima dos países (nunca uma moeda única deveria ter sido criada sem este). Da crise nasceu, de forma inesperada, o nosso novo desígnio. É certo, um desígnio que existe pela negativa - salvar a Europa do declínio económico, da irrelevância e do desmantelamento - mas que não é menos absolutamente crucial por isso.

Sem comentários:

Enviar um comentário