terça-feira, 10 de julho de 2012

Precisamos de Ti, 'mor

Uma das páginas mais belas da História portuguesa recente está relacionada com a independência de Timor-Leste. A população portuguesa mostrou uma solidariedade comovente quando a repressão se intensificou durante a década de 90 - o país inteiro vestido de branco chegou a paralisar em memória das vítimas, num momento arrepiante. E Portugal foi inexcedível em trazer a questão da ocupação indonésia para a agenda internacional, reclamando mérito na conquista da inesperada vitória que constituiu a criação de um novo país, o primeiro a ser criado neste século, em 2002.

Só passou uma década, mas o mundo muda muito rápido. Os timorenses já elegeram o seu terceiro presidente, Taur Matan Ruak, e o presidente da República Portuguesa está agora em Díli numa visita de Estado que despertou um tema surpreendente para as consciências lusitanas: chegou o tempo de ser Timor a auxiliar Portugal.

Timor-Leste produz petróleo. São empresas australianas quem o extrai do fundo do mar, mas as receitas do ouro negro (10 mil milhões de euros nos últimos sete anos) equilibram as contas do pequeno território, e permitiram mesmo a criação de um enorme mealheiro, uma poupança para permitir atravessar eventuais dias difíceis, à semelhança do que fizeram outros países bafejados pelos recursos naturais (o "fundo do petróleo" constituído pela Noruega, o maior do mundo, detém participações em quase todas as grandes companhias europeias). E Timor-Leste procura mais aplicações para o seu dinheiro, depois de já ter comprado dívida pública americana; a versão portuguesa promete hoje em dia taxas de juro bem mais aliciantes - e, com o risco adicional de uma possibilidade relativamente alta de bancarrota, aliando a essa remuneração atractiva as emoções fortes tão do agrado do investidor que tem os nervos de aço forjados em décadas lutando nas montanhas pela Resistência timorense.

A ideia de ter o Estado timorense a investir em Portugal já tinha partido do anterior presidente José Ramos-Horta, e desta feita Cavaco Silva nem pestanejou quando inquirido sobre essa possibilidade: "se o fundo do petróleo olhar para Portugal e considerar que pode fazer aí aplicações rentáveis... bem, é uma escolha dos timorenses", respondeu, num piscar de olho ao seu congénere. Taur Matan Ruak, nome de guerra que significa em tétum "dois olhos vivos" e cujo nome de baptismo é José Maria Vasconcelos, soube ler a situação e ripostou: poucas horas depois, avisou que o Português deve passar a ser ensinado como língua estrangeira, e nunca "como língua mãe". Ao fazê-lo, acertou-nos em cheio nas sensibilidades do antigo colonizador.

A opção sentimental tomada há 10 anos pelo Português nunca poderia ser pacífica num país que, na realidade, não fala a língua: oficialmente apenas 20% da população a compreende (menos que no Luxemburgo, portanto), e o número real deve andar longe deste. Só que Timor, onde se falam 17 línguas nativas sem expressão internacional, precisa de uma língua franca, e o português é ensinado nas escolas - estando portanto em progressão. Reduzir-lhe o estatuto seria provavelmente um erro irreversível, e desgastaria certamente algum do capital de simpatia com que o país conta entre os portugueses. A não ser, claro, que nos comprem muita dívida pública; se o fizerem, até toleraremos que Timor entre na Commonwealth e mude o nome para East Timor, que os tempos não estão para romantismos.

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