quarta-feira, 16 de maio de 2012

E no entanto, ela move-se

"Eppur si muove", pronunciou Galileu ao ser condenado pela Inquisição a aceitar que era o Sol quem girava em torno de uma Terra supostamente imóvel. Tendo estas palavras sido realmente proferidas ou não, o "ela" referia-se aqui ao planeta Terra. Mas hoje, na Europa, algumas vozes com interesses inconfessáveis acabam de adoptar a sua própria versão de heliocentrismo - em defesa das suas próprias escrituras, o mantra neoclássico dos orçamentos a zero e do desmantelamento da economia pública.

O "consenso europeu" (e mundial) gizado como resposta à terrível crise iniciada em 2008 teve menos de consenso do que de hegemonia ideológica: em Novembro de 2011 apenas as pequenas Dinamarca, Áustria, Eslovénia e o minúsculo Chipre eram governados por partidos à esquerda do centro - todos os outros 23 governos europeus, incluindo os de todos os "grandes" Estados-Membros, eram essencialmente de matriz conservadora/popular. A solução encontrada, apresentada como não tendo alternativas, foi a da dor, da austeridade, dos cortes, dos "sacrifícios", da "punição" por crimes nunca bem especificados. A teoria era que estas demonstrações económicas de heroísmo salpicado de masoquismo teriam a sua recompensa (terrena) através de uma suposta renovada simpatia dos mercados e de um mirabolante acréscimo da confiança dos agentes económicos, que supostamente faria reavivar o produto da economia e fazer-nos a todos viver melhor muito em breve.

O curioso - e assustador - é que este tipo de pensamento, e de opções políticas e económicas, repete de perto o ocorrido durante a Grande Depressão iniciada em 1929, que só começou a ser combatida após a eleição de Roosevelt e o seu New Deal, quatro anos depois. Acreditar numa espécie de "austeridade estimulante" é o equivalente económico de acreditar no Pai Natal; agradável durante alguns anos, e uma desilusão forte quando a realidade entra em cena. No nosso caso, os resultados da austeridade já estão aí: economias paralisadas, uma segunda recessão, pânico nos mercados e desemprego. Tudo em crescendo, até porque as economias entraram em círculo vicioso.

Pois bem, se a realidade não valida as nossas opiniões, mude-se a realidade, pensaram alguns arautos do declínio, que acabam de declarar que a austeridade na Europa "não existe". E se ainda existiu alguma foi devido a aumento de impostos, que por alguma razão "não conta". Só por a austeridade "não existir" é que não está a funcionar, porque se existisse, certamente funcionaria.
Felizmente, há dados objectivos com que responder a estes desmandos, e é o próprio FMI que o demonstra: a austeridade não só existe como se move, e países como Portugal estão a fazer um ajustamento absolutamente brutal - porque muito oneroso e feito em muito pouco tempo - das suas despesas públicas: - 1,2% até 2011, e provavelmente -4,1% até 2013. A duras penas, a Grécia obteve uma melhoria de 11 pontos no seu défice estrutural. Até a Alemanha já cortou 2,3% da sua despesa só nos últimos dois anos.

O problema é precisamente esse: mais do não existir, a austeridade move-se para ocupar o espaço de qualquer solução complementar que se debruce sobre o crescimento. Precisaremos de eleger um novo Roosevelt? É que não se vislumbra nenhum no horizonte. Pelo contrário, há mais aprendizes do chanceler alemão que era seu contemporâneo.

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