Abril é um mês com conotações libertárias. A
Primavera ajuda a libertar corpo e espírito, trazendo um renascimento anual e um
ressurgir de energias. Não por acaso se trata de um mês propício a revoluções;
a de 1974, em Portugal, libertou o país da asfixia de meio século de ditadura, e
da sua omnipresente censura.
Por estarmos perto do dia 25, a notícia
difundida por vários jornais portugueses indigna ainda mais todos os que, sem
pedir desculpa por isso, continuam a amar a liberdade acima de todos os
valores. "Jovem condenado por partilhar", era parte do título.
Ditosos tempos estes em que a partilha é criminalizada! E que tencionava então
partilhar o jovem, 17 anos mal cumpridos e socialmente desfavorecido? A segunda
parte do título esclarece-nos: "... três músicas pela internet". Uma
dos Delfins, uma do João Pedro Pais, e uma da Alanis Morissette.
Não, o rapaz não foi condenado por ter mau
gosto musical, foi sentenciado a dois meses de prisão por ter divulgado o nome
daqueles três músicos, que vivem, curioso paradoxo, na busca incessante de
popularidade. Não foram, naturalmente, os músicos a processar o jovem, dado que
a maior parte daqueles sabe que tem tanto mais a ganhar quanto mais o seu
trabalho for conhecido (os rendimentos provêm crescentemente de concertos,
t-shirts e patrocínios); quem o processou foi quem faz fortuna às custas dos
músicos, os distribuidores, neste caso uma ordem de interesses chamada
"Associação Fonográfica Portuguesa" que, no final, não estava envergonhada
com o desperdício do dinheiro dos contribuintes, mas sim furiosa com a
"demora da justiça" (o caso remonta a 2006). Lamuriou-se a AFP que
"o mercado físico da música em Portugal, que representa 85% das nossas
receitas, está em recessão". É óbvio que vender um CD a, por vezes, 20
euros, quando ele custa menos de 4 euros a produzir e pôr nas lojas, terá mais
do que uma certa influência nessa tendência, mas isso não aparecia (nunca
aparece...) na notícia.
A repressão da indústria musical que resulta
nestes casos algo caricatos têm algo de quixotesco: eles pugnam por manter
artificialmente caro um produto, o CD de originais, que cada vez menos pessoas
está interessada em comprar - e que inclusivamente nos parece agora até menos cool que o seu antepassado, o disco de
vinil. Mas o caso é mais grave que uma simples desadequação aos nossos tempos
digitais. O que acontece é que a indústria se colocou do lado errado da
barricada moral: agarrada a modelos económicos ultrapassados porque baseados na
escassez - ou seja, de número finito, em que todos competimos para os obter, e
em que se eu dou um disco a alguém, fico sem ele. Imaginemos por absurdo que as
discográficas compravam a "propriedade intelectual" das ideias de
Newton, e nomeadamente da teoria da gravidade: em vez desta contribuir para a
ciência e o conhecimento do mundo que nos rodeia, cada consumidor de gravidade
teria de pagar 20 euros sempre que não quisesse vaguear sem destino pela
atmosfera.
Na era digital, as ideias, a informação, as
imagens, a música fluem e estão infinitamente disponíveis. Se eu partilho
música com alguém, mantenho-a também para mim. A ideia de partilha de algo bom,
em que todos ficam a ganhar (menos as companhias discográficas...) e como tal a
sociedade se aproxima de uma distribuição óptima de recursos, deve fazer parte
do imperativo moral de cada pessoa de bem. Como o é partilhar o pão com um meu
amigo - mas neste caso os pães são infinitos.
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