quarta-feira, 16 de maio de 2012

Partilha, partilha, partilha


Abril é um mês com conotações libertárias. A Primavera ajuda a libertar corpo e espírito, trazendo um renascimento anual e um ressurgir de energias. Não por acaso se trata de um mês propício a revoluções; a de 1974, em Portugal, libertou o país da asfixia de meio século de ditadura, e da sua omnipresente censura.
Por estarmos perto do dia 25, a notícia difundida por vários jornais portugueses indigna ainda mais todos os que, sem pedir desculpa por isso, continuam a amar a liberdade acima de todos os valores. "Jovem condenado por partilhar", era parte do título. Ditosos tempos estes em que a partilha é criminalizada! E que tencionava então partilhar o jovem, 17 anos mal cumpridos e socialmente desfavorecido? A segunda parte do título esclarece-nos: "... três músicas pela internet". Uma dos Delfins, uma do João Pedro Pais, e uma da Alanis Morissette.

Não, o rapaz não foi condenado por ter mau gosto musical, foi sentenciado a dois meses de prisão por ter divulgado o nome daqueles três músicos, que vivem, curioso paradoxo, na busca incessante de popularidade. Não foram, naturalmente, os músicos a processar o jovem, dado que a maior parte daqueles sabe que tem tanto mais a ganhar quanto mais o seu trabalho for conhecido (os rendimentos provêm crescentemente de concertos, t-shirts e patrocínios); quem o processou foi quem faz fortuna às custas dos músicos, os distribuidores, neste caso uma ordem de interesses chamada "Associação Fonográfica Portuguesa" que, no final, não estava envergonhada com o desperdício do dinheiro dos contribuintes, mas sim furiosa com a "demora da justiça" (o caso remonta a 2006). Lamuriou-se a AFP que "o mercado físico da música em Portugal, que representa 85% das nossas receitas, está em recessão". É óbvio que vender um CD a, por vezes, 20 euros, quando ele custa menos de 4 euros a produzir e pôr nas lojas, terá mais do que uma certa influência nessa tendência, mas isso não aparecia (nunca aparece...) na notícia.

A repressão da indústria musical que resulta nestes casos algo caricatos têm algo de quixotesco: eles pugnam por manter artificialmente caro um produto, o CD de originais, que cada vez menos pessoas está interessada em comprar - e que inclusivamente nos parece agora até menos cool que o seu antepassado, o disco de vinil. Mas o caso é mais grave que uma simples desadequação aos nossos tempos digitais. O que acontece é que a indústria se colocou do lado errado da barricada moral: agarrada a modelos económicos ultrapassados porque baseados na escassez - ou seja, de número finito, em que todos competimos para os obter, e em que se eu dou um disco a alguém, fico sem ele. Imaginemos por absurdo que as discográficas compravam a "propriedade intelectual" das ideias de Newton, e nomeadamente da teoria da gravidade: em vez desta contribuir para a ciência e o conhecimento do mundo que nos rodeia, cada consumidor de gravidade teria de pagar 20 euros sempre que não quisesse vaguear sem destino pela atmosfera.

Na era digital, as ideias, a informação, as imagens, a música fluem e estão infinitamente disponíveis. Se eu partilho música com alguém, mantenho-a também para mim. A ideia de partilha de algo bom, em que todos ficam a ganhar (menos as companhias discográficas...) e como tal a sociedade se aproxima de uma distribuição óptima de recursos, deve fazer parte do imperativo moral de cada pessoa de bem. Como o é partilhar o pão com um meu amigo - mas neste caso os pães são infinitos.

Sem comentários:

Enviar um comentário