quarta-feira, 16 de maio de 2012

“Do que é que precisas?” – de menos ganância

“Há três palavras importantes na língua portuguesa: TMN, Vodafone e Optimus”. Essa seria a primeira frase que um viajante no tempo – digamos Luís de Camões, por provocatório exemplo - escreveria no seu diário se pudesse percorrer hoje o país. A minha massa cinzenta, que por ter recebido demasiada publicidade ao longo da vida já não a regista conscientemente, reparou no fenómeno ao olhar para o rádio: em vez de “Antena3” ou “Rádio Nova”, este atirava-me um “Vodafone”. A estação seguinte, também com boa música, ripostava “TMN”. Uma rápida vista de olhos sobre a apetecível lista de festivais de verão, uma das grandes febres (e negócios) do rectângulo lusitano, confirma que, de Paredes de Coura à Zambujeira do Mar, não há um único evento que não seja financiado por telemóveis. Na televisão, o mesmo: metade dos anúncios são sobre a nova geração 4G ou uma promoção de smartphones. Também sabemos que muitos títulos da imprensa não sobreviveriam sem estas empresas, as mesmas que escondem as cidades e os campos por trás dos seus ubíquos e horríveis cartazes outdoors. A TMN dá-se ao luxo de fazer o pleno do futebol, constituindo-se em principal patrocinador dos três clubes ditos “grandes”. E até o menor dos operadores, a Optimus, gasta em marketing quatro vezes aquilo o que gasta em novos projectos + salários e custos operacionais...

Toda esta opulência espanta-me, como me intriga a aparente despreocupação destas companhias nos tempos árduos que vivemos. Parte da explicação encontra-se em factores culturais, patentes por exemplo num estudo publicado na passada semana que descobriu que “62% dos portugueses utilizam o telemóvel mesmo durante o jantar, e 20% levam-no consigo para a cama quando vão dormir”. O pequeno gadget como extensão da personalidade. Não esqueçamos que há pelo menos 11 milhões destes bichos em Portugal, e com tendência para a multiplicação, ao passo que pessoas, essas, há cada vez menos (pois emigram).
Mas a melhor explicação para a cornucópia das operadoras é bem mais vil: falar ao telefone é aqui absurdamente caro. A observação pessoal já cada um de nós a fez, por exemplo agora durante as férias da Páscoa, e mesmo tendo o cuidado de adquirir um cartão SIM português – em poucos dias gasta-se tanto como num mês passado noutro país europeu. Absurdamente, pago menos se fizer uma chamada internacional, em roaming, com um telefone luxemburguês (35 cêntimos) do que se ligar com um telefone português para casa, cinco minutos antes de lá chegar, para perguntar o que é o jantar (36,6 cêntimos)! As comparações científicas, feitas cuidadosamente de forma a ultrapassar a (propositada) complexidade dos diferentes planos de tarifas, comprovam a ideia: os operadores portugueses dividem cuidadosamente o mercado entre si de forma a limitar a concorrência e obter um lucro obsceno, muito acima do “lucro normal” teorizado na microeconomia. A OCDE comparou quatro diferentes tipos de utilizador de telemóveis em vários dos seus Estados-membros (sendo Portugal um dos mais pobres), e invariavelmente a TMN e a Vodafone portuguesas estão entre as mais caras operadoras de telecomunicações do mundo. Num cliente de assinatura e que utilize 300 minutos de conversa por mês, conseguem mesmo a duvidosa honra de pedir o segundo preço mais alto, cinco vezes mais que para um serviço equivalente comprado no Reino Unido...

Dá vontade de glosar um recente lema publicitário da Optimus, que me perguntava insistentemente “do que é que eu preciso”. Na verdade, não preciso de muito – mas um pouco menos de ganância ajudava.

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