quarta-feira, 16 de maio de 2012

A morte saiu ao estádio

Há dois anos comecei uma destas crónicas falando de Fidípides, o mítico soldado que correu 42 km para avisar os patrícios da vitória do exército ateniense contra o muito mais poderoso exército persa. Nessa altura escrevia sobre a maratona, a corrida que teve origem nessa lenda. A lenda, ou não se tratasse de tragédia grega, termina mal: Fidípides caiu inanimado ao chegar a Atenas e não mais se levantou. Foi a primeira morte súbita registada na História de um jovem desportista.

 No sábado, em Itália, a improbabilidade voltou a atacar impiedosamente. Improbabilidade porque falamos de atletas, pessoas jovens, sem gordura, de alimentação regrada, vida saudável e extraordinária preparação física, tudo isto completado por exames médicos rigorosos e periódicos, que são fulminados por uma paragem inesperada do seu coração, ou por um aneurisma. Estes problemas são agrupados num termo tão abrangente quanto aflitivo: síndroma de morte súbita (SDS, da sigla inglesa). Os defeitos que o provocam, como por exemplo uma malformação cardíaca, tornam-se explosivos quando combinados com a prática intensiva de desporto. Ainda por cima, raramente há sintomas: em 80% dos casos, o primeiro sintoma é o desfalecimento fatal.

O jogador italiano do Livorno, Morosini, vem juntar-se a uma lista de vítimas se está a alongar rapidamente nos últimos anos. Um dia depois desta tragédia, outro futebolista de elite (Muamba, congolês do Bolton) teve alta do hospital após o seu coração também ter parado em pleno jogo, e por 78 longuíssimos minutos. Muamba dificilmente voltará a jogar futebol, mas pelo menos tem uma vida pela frente, ao contrário de Daniel Jarque, Antonio Puerta, Miklos Fehér, Marc-Vivien Foe, Bruno Baião ou Pavão, todos eles futebolistas de alta competição caídos fatalmente no relvado. 

Quando um desportista morre em plena acção, a pergunta queima os lábios de todos: como é possível evitar isto? A resposta dos peritos ronda sempre “mais exames, melhores exames”, para a detecção precoce dos problemas. Isto parece consensual (embora nos Estados Unidos, que não querem começar a exigir electrocardiogramas aos adolescentes, não o seja), mas há também dois  tabus que é necessário quebrar: um é o do doping (as substâncias utilizadas aumentam as necessidades cardíacas), outro é o do exagero em que a alta competição caiu, numa loucura vertiginosa de esforço em cima de esforço e de corpos levados ao limite. À excepção de Pavão, todos aqueles nomes desapareceram nos últimos 10 anos, o que não é uma coincidência: as cargas de treino no futebol de elite não têm hoje nada a ver com o que se fazia há 15 anos; os melhores jogadores, sobrecarregados de competições, chegam a fazer 70 jogos a alta rotação por época, e cada um desses jogos exige-lhes muito mais do físico do que um jogo da década passada. A espiral não parece ter fim, mas algo tem de ser feito para a travar; é preciso arrefecer todo o sistema, organizar muito menos jogos (mas melhor futebol), parar de transformar os jogadores em superhomens biónicos sempre no limite da dor. É que tê-los a cair como tordos, em directo e a cores, é um sinal gritante de que algo está profundamente errado.

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