quarta-feira, 16 de maio de 2012

O vídeo viral que pôs o Uganda no mapa

No dia 5 de março, a organização não governamental Invisible Children (Crianças Invisíveis) pôs um vídeo de meia hora de duração no YouTube. Ao fim do primeiro dia, o vídeo tinha sido visto 10 milhões de vezes. Ao fim de três dias, o contador já tinha ultrapassado a marca dos 52 milhões. E hoje, duas semanas após ter sido colocado em linha, o vídeo original mais as respostas também em vídeo que ele originou já foi visto mais de 100 milhões de vezes - o mais rápido da história a atingir essa marca.


O longo vídeo, apenas em inglês, não é engraçado nem musical e muito menos romântico: é sobre activismo político, sobre a guerra num miserável canto do planeta, sobre temas que ensombram o nosso mundo. E é feito a partir de uma visão muito americana - claramente maniqueísta e simplificada para um problema tremendamente agudo e complexo. Fala de um bárbaro, Joseph Kony, que durante anos aterrorizou o Uganda e países vizinhos durante uma guerra suja e sem quartel - como se assim não fossem todas... Kony recrutou, ao longo de anos, milhares de crianças (calcula-se que 60 mil), os rapazes como soldados, as raparigas como escravas sexuais. Quem se negava a fazê-lo era torturado ou desaparecia. E tais atrocidades passaram-se ao longo de uma década, o que levou Kony a ser procurado pelo Tribunal Penal Internacional - mas como encontrar um ditador todo-poderoso no meio da selva sem fim não dispondo de quaisquer meios para o fazer? Talvez por isso mesmo o procurador-geral do TPI fez um elogio sentido ao vídeo originário da Califórnia: "Isto foi feito por uns miúdos que podiam estar a surfar ou qualquer outra coisa, mas escolheram fazer isto. Estão a dar voz a pessoas que ninguém sabia que existiam e por quem ninguém se preocupava. E por isso saúdo-os".

Mesmo que simplificado, o activismo engagé destes putos californianos merece o respeito e admiração de todos. Pelo menos, do meu. Mas a chuva de reacções negativas acaba de levar o realizador e protagonista do filme, Jason Russell, 33 anos (e cara de surfista, efectivamente), a um esgotamento nervoso: em duas semanas, a Invisible Children foi acusada de só gastar 32% do que recebe nas actividades que se propõe financiar (o resto é em salários e outros custos), enquanto o filme, argumenta-se, "erra o alvo": irritou os ugandeses ao proclamar "vamos tornar Kony famoso" (uma expressão americana interpretada à letra no Uganda), irritou os diplomatas ao reduzir toda a guerra a um homem maléfico, irritou os especialistas no terreno que afirmam que "abrir uma caça ao homem sabendo que Kony já não mora aqui, e não referindo o fim da guerra e a reconstrução que decorrem agora no Uganda, é reabrir feridas desnecessariamente".

Mas o que ninguém nega é o sucesso estrondoso de uma campanha viral, baseada nas redes sociais da internet, e adoptada sobretudo por pessoas menores de 25 anos - as tais que têm a reputação de ocas e apáticas. Este sucesso deu muito trabalho - e trabalho de sapa: a Invisible Children tem anos de filmes activistas, trabalho porta-a-porta em universidades, milhares de seguidores no Twitter, narrativas fortes e focadas, e uma escolha criteriosa de celebridades que propagam a sua mensagem. Quase tão importante, não se escondeu quando criticada: o presidente da organização respondeu aos ataques ponto por ponto, sem se desviar de nenhum. Lições a aprender por todos que querem ser ouvidos - activistas sociais, políticos, empresas ou media.

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