No dia 5 de março, a organização não
governamental Invisible Children (Crianças Invisíveis) pôs um vídeo de meia
hora de duração no YouTube. Ao fim do primeiro dia, o vídeo tinha sido visto 10
milhões de vezes. Ao fim de três dias, o contador já tinha ultrapassado a marca
dos 52 milhões. E hoje, duas semanas após ter sido colocado em linha, o vídeo
original mais as respostas também em vídeo que ele originou já foi visto mais
de 100 milhões de vezes - o mais rápido da história a atingir essa marca.
O longo vídeo, apenas em inglês, não é
engraçado nem musical e muito menos romântico: é sobre activismo político,
sobre a guerra num miserável canto do planeta, sobre temas que ensombram o
nosso mundo. E é feito a partir de uma visão muito americana - claramente
maniqueísta e simplificada para um problema tremendamente agudo e complexo. Fala
de um bárbaro, Joseph Kony, que durante anos aterrorizou o Uganda e países
vizinhos durante uma guerra suja e sem quartel - como se assim não fossem
todas... Kony recrutou, ao longo de anos, milhares de crianças (calcula-se que
60 mil), os rapazes como soldados, as raparigas como escravas sexuais. Quem se
negava a fazê-lo era torturado ou desaparecia. E tais atrocidades passaram-se
ao longo de uma década, o que levou Kony a ser procurado pelo Tribunal Penal
Internacional - mas como encontrar um ditador todo-poderoso no meio da selva
sem fim não dispondo de quaisquer meios para o fazer? Talvez por isso mesmo o
procurador-geral do TPI fez um elogio sentido ao vídeo originário da
Califórnia: "Isto foi feito por uns miúdos que podiam estar a surfar ou
qualquer outra coisa, mas escolheram fazer isto. Estão a dar voz a pessoas que
ninguém sabia que existiam e por quem ninguém se preocupava. E por isso
saúdo-os".
Mesmo que simplificado, o activismo engagé destes putos californianos merece
o respeito e admiração de todos. Pelo menos, do meu. Mas a chuva de reacções
negativas acaba de levar o realizador e protagonista do filme, Jason Russell,
33 anos (e cara de surfista, efectivamente), a um esgotamento nervoso: em duas
semanas, a Invisible Children foi acusada de só gastar 32% do que recebe nas
actividades que se propõe financiar (o resto é em salários e outros custos),
enquanto o filme, argumenta-se, "erra o alvo": irritou os ugandeses
ao proclamar "vamos tornar Kony famoso" (uma expressão americana
interpretada à letra no Uganda), irritou os diplomatas ao reduzir toda a guerra
a um homem maléfico, irritou os especialistas no terreno que afirmam que "abrir
uma caça ao homem sabendo que Kony já não mora aqui, e não referindo o fim da
guerra e a reconstrução que decorrem agora no Uganda, é reabrir feridas
desnecessariamente".
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