quarta-feira, 16 de maio de 2012

Não era suposto isto estar a acontecer


Outra vez a chata da economia. Porque ela está ali, omnipresente, mais ou menos escondida como pano de fundo de cada decisão que tomamos, mesmo que a tempestade financeira pareça ter acalmado, mesmo que nós optimistas queiramos muito ver sinais de optimismo. 

Há pelo menos dois anos que todos somos submetidos a uma lavagem cerebral sob a forma do “mantra da austeridade”. Grosso modo, a teoria é a seguinte: no eclodir de uma gigantesca crise financeira, os bancos devem ser salvos da falência com dinheiro público, e os contribuintes devem pagar todas as facturas. Uma crise causada pela ausência de regulação pública, ou se quiserem, por vivermos num Faroeste económico, torna-se depois o pretexto para a emergência do radicalismo neoclássico (a “doutrina de choque” sobre a qual escreveu Naomi Klein); e o desemprego maciço, teoricamente a ser combatido por uma política em contraciclo que se concentre no crescimento económico e na criação de emprego, é em vez disso alimentado por uma Nova Era de Austeridade, em que a despesa pública em educação, saúde ou infraestruturas é reduzida drasticamente.
A obsessão pelos “cortes” e a alegria mórbida que é sentida por ver, paulatinamente, o tecido da sociedade a degradar-se só encontra paralelo no nonsense dos Monty Python, cujo personagem do Cavaleiro Negro persistia na sua superioridade apesar de ir vendo cortados no duelo, um a um, os seus braços e pernas. “Isto é só um arranhão!”, dizia o tronco humano.

A malta da austeridade vende-nos esta via repetindo exaustivamente mais dois mantras: “não há alternativa” – mas há várias e credíveis, só necessitariam de uma Alemanha mais visionária ou de termos a coragem da Islândia, por exemplo; e “a austeridade no fundo até vai criar empregos, porque vamos recuperar credibilidade, o que vai tornar consumidores e empresas mais confiantes”. E esta confiança, supõe-se, vai fazer aumentar o consumo privado ao ponto de compensar a redução do investimento público. Ou seja, um pouco como acreditar na Fada dos Dentes.

O problema, como sempre, é a realidade. Os resultados das opções que tomámos começam a chegar – e a fotografia não é bonita de se ver. Tentar corrigir desequilíbrios não nos bons tempos, mas já em recessão, é o caminho mais curto para a depressão. A Grécia está em colapso. O desemprego em Espanha atinge os 20%, em Portugal 15% oficialmente mas provavelmente mais. A Irlanda, que fez tudo o que lhe era exigido pelos gurus da austeridade, continua em vão à espera de ver recompensado o seu zelo. Mais fundo ainda, estes países desistiram de tentar proporcionar um futuro decente às suas gerações mais novas. Um em cada dois jovens espanhóis não tem emprego, na Irlanda e em Portugal é um em cada três. O governo português está agora mais preocupado em convencer os seus jovens a fugir do país. Entretanto, a contracção económica agrava-se – talvez -4% em Portugal este ano – e o problema inicial, a dívida, torna-se cada vez mais difícil de pagar.

O “caminho único” não previa sofrimento infinito e não era suposto isto estar a acontecer. Mas está, e não há luz ao fundo do túnel.

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