Outra vez a chata
da economia. Porque ela está ali, omnipresente, mais ou menos escondida como
pano de fundo de cada decisão que tomamos, mesmo que a tempestade financeira
pareça ter acalmado, mesmo que nós optimistas queiramos muito ver sinais de
optimismo.
Há pelo menos
dois anos que todos somos submetidos a uma lavagem cerebral sob a forma do
“mantra da austeridade”. Grosso modo, a teoria é a seguinte: no eclodir de uma
gigantesca crise financeira, os bancos devem ser salvos da falência com
dinheiro público, e os contribuintes devem pagar todas as facturas. Uma crise
causada pela ausência de regulação pública, ou se quiserem, por vivermos num
Faroeste económico, torna-se depois o pretexto para a emergência do radicalismo
neoclássico (a “doutrina de choque” sobre a qual escreveu Naomi Klein); e o
desemprego maciço, teoricamente a ser combatido por uma política em contraciclo
que se concentre no crescimento económico e na criação de emprego, é em vez
disso alimentado por uma Nova Era de Austeridade, em que a despesa pública em
educação, saúde ou infraestruturas é reduzida drasticamente.
A obsessão pelos
“cortes” e a alegria mórbida que é sentida por ver, paulatinamente, o tecido da
sociedade a degradar-se só encontra paralelo no nonsense dos Monty Python, cujo personagem do Cavaleiro Negro
persistia na sua superioridade apesar de ir vendo cortados no duelo, um a um,
os seus braços e pernas. “Isto é só um arranhão!”, dizia o tronco humano.
A malta da
austeridade vende-nos esta via repetindo exaustivamente mais dois mantras: “não
há alternativa” – mas há várias e credíveis, só necessitariam de uma Alemanha
mais visionária ou de termos a coragem da Islândia, por exemplo; e “a
austeridade no fundo até vai criar empregos, porque vamos recuperar
credibilidade, o que vai tornar consumidores e empresas mais confiantes”. E
esta confiança, supõe-se, vai fazer aumentar o consumo privado ao ponto de
compensar a redução do investimento público. Ou seja, um pouco como acreditar
na Fada dos Dentes.
O problema, como
sempre, é a realidade. Os resultados das opções que tomámos começam a chegar –
e a fotografia não é bonita de se ver. Tentar corrigir desequilíbrios não nos
bons tempos, mas já em recessão, é o caminho mais curto para a depressão. A
Grécia está em colapso. O desemprego em Espanha atinge os 20%, em Portugal 15%
oficialmente mas provavelmente mais. A Irlanda, que fez tudo o que lhe era
exigido pelos gurus da austeridade, continua em vão à espera de ver
recompensado o seu zelo. Mais fundo ainda, estes países desistiram de tentar
proporcionar um futuro decente às suas gerações mais novas. Um em cada dois
jovens espanhóis não tem emprego, na Irlanda e em Portugal é um em cada três. O
governo português está agora mais preocupado em convencer os seus jovens a
fugir do país. Entretanto, a contracção económica agrava-se – talvez -4% em
Portugal este ano – e o problema inicial, a dívida, torna-se cada vez mais
difícil de pagar.
O “caminho único”
não previa sofrimento infinito e não era suposto isto estar a acontecer. Mas
está, e não há luz ao fundo do túnel.
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