“É fogo que arde
sem se ver, uma ferida que dói e não se sente”, dizia o poeta sobre o amor. Mas
o amor que os portugueses sentem pelo Verão é sistematicamente chamuscado pelos
incêndios florestais, o flagelo que ganha ali laivos de fatalidade
irreversível. Nas últimas décadas, arderam em Portugal 3,5 milhões de hectares
– uma área equivalente a toda a Bélgica.
É inútil repetir
o óbvio, os incêndios são um drama devastador, deixando à sua passagem um rasto
desolador de destruição e morte. O facto de a cada ano o ciclo se repetir
deixa-nos raivosos perante a impotência. Nunca falha: chegados ao final de
Julho, ouvimos as primeiras más notícias. Entrado Agosto, com a floresta seca e
cheia de folhas secas, qualquer faúlha é suficiente para despoletar a habitual
espiral de recursos perdidos, casas e pessoas em perigo, bombeiros no hospital (ou
pior). Este ano, também a macabra novidade de uns desmiolados se vangloriarem
dos seus horrendos feitos no facebook ainda antes de serem presos. Mas isso é
assunto para outro local deste jornal.
O facto é que nem
todos os incêndios são de origem criminosa – e também não há nenhuma inevitabilidade
na sua existência, os fogos florestais não são nenhum castigo divino. Depois do
Verão catastrófico de 2003 (em que arderam 425 mil hectares de floresta, um
recorde absoluto), o país revoltou-se e passou a combater o problema com novos
meios. Então, e apesar de uma pequena recaída em 2005, a área ardida
efectivamente diminuiu; paradoxalmente, esse sucesso levou a um certo
relaxamento posterior – e este ano, a situação voltou a agravar-se. Tipicamente,
fez-se o mais fácil, que no caso era atirar dinheiro sobre o problema
reforçando-se os meios de combate – que recebem, ano após ano, 80% das verbas
destinadas à protecção da floresta. Sempre mais esquecido fica o longo prazo,
que exige paciência e planeamento: limpar, gerir, prevenir, estar presente no
terreno durante todo o ano, trabalhando com as populações locais – as poucas
que restam num país dramaticamente macrocéfalo onde o interior está exangue, os
seus filhos vivendo e trabalhando em Lisboa ou no Luxemburgo.
A prevenção dos
fogos é complementar ao seu combate, e sem aquela, nem os melhores Canadair
podem salvar as serras lusitanas. Por isso mesmo, a ideia (surgida
originalmente em 2004) de criação de uma força especial de bombeiros dedicada
exclusivamente, e durante todo o ano, ao tratamento da floresta tenha voltado
agora em forma de petição lançada por especialistas da área. Mesmo os mais
cépticos, que duvidam da sua exequibilidade, admitem que algo terá de mudar sob
pena de continuarmos a queimar – literalmente – um dos poucos recursos naturais
de um país onde eles não abundam. É que a floresta não significa apenas ar
puro, turismo e piqueniques, mas também toda uma fileira industrial que,
segundo os números disponíveis, vale 10% das exportações portuguesas e dezenas
de milhar de postos de trabalho. Números que pouco a pouco se esvaem em fumo
enquanto assistimos angustiados a mais um inferno estival.
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