
É esta a premissa
de “Elysium”, filme estreado no final do verão, pouco tempo antes do grande
drama de Lampedusa. Perto desta pequena ilha a meio caminho entre a Sicília e a
Tunísia, no dia 3 de Outubro, um velho pesqueiro apinhado de homens, mulheres e
crianças oriudos da Eritreia e da Somália naufragou nas águas do Mediterrâneo. A
última contagem fixou 359 vidas humanas perdidas, e muitos ainda desaparecidos;
mas essa contagem foi feita no dia 11, o mesmo em que um outro barco naufragou ali
perto – e foi então necessário acrescentar mais 34 corpos, desta feita sírios e
palestinianos, à calamidade. Já esta segunda-feira, dia 14, mais um barco, este
com 137 migrantes a bordo, foi detido pelas autoridades italianas. Só este ano,
35 000 pessoas já arriscaram assim a sua vida no mar para chegar à Europa.
A Europa, a
Elysium dos nossos tempos, acordou. A actual lei italiana de imigração,
aprovada pela extrema-direita nos tempos de Bossi e Fini, foi exposta em toda a
sua desumanidade – e a angustiada declaração do primeiro-ministro maltês, em
como “estamos a construir um cemitério no nosso Mediterrâneo”, adicionada aos
gritos de “assassino” com que Barroso foi recebido em Lampedusa, sublinharam a
importância da cooperação europeia e de uma política comum para resolução de um
problema que é de todos. Só que não há razões para qualquer optimismo quanto a
isso: as eleições europeias de Maio serão, tudo o indica, um estímulo à
extrema-direita xenófoba, e esta incentivará ainda mais a construção de uma
“fortaleza Europa” falsamente estanque a vagas crescentes de refugiados. Não
estaremos longe de vermos muros erguidos nas nossas praias, tal como hoje acontece
na Califórnia – os EUA construíram um enorme muro ao longo de parte da sua
fronteira com o México, perfazendo um total de quase 600 km de cerca (por vezes
electrificada). Não sei quem desejará viver num continente transformado em
condomínio fechado, mas eu decididamente não quero.
Não é simples o
que a Europa tem de fazer: é deixar entrar mais pessoas – barrando a entrada
aos indesejáveis, certamente, patrulhando os mares, certamente, mas acolhendo,
como em outros séculos outros nos acolheram a nós, europeus. É cooperar com os
países de origem para que estes ajudem a controlar a imigração ilegal. É
promover o desenvolvimento nesses países, é abrir os seus mercados aos produtos
agrícolas vindos daí, enriquecendo as suas populações. É fazer opções difíceis
e apostar em resultados longínquos. Terá de ser assim – o nosso Elysium não é
só nosso, e não podemos aceitar que tantos continuem a morrer para o atingir.
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