“O Leopardo”,
escrito pelo italiano di Lampedusa, é universalmente reconhecido como um dos
grandes romances históricos de sempre (e o filme de 1961, com Claudia
Cardinale, é também uma obra-prima). Em ambos, livro e filme, o personagem
central, Don Fabrizio Corbera, declama as suas imortais palavras para
justificar os seus actos de perpetuação do poder da família: “É preciso que algo
mude para que tudo fique na mesma”.
No domingo, 66
milhões de alemães em idade de votar (13% da população da UE) foram chamados a
escolher o líder da Europa. Sem surpresa, a escolha recaiu na senhora Merkel, a
candidata do status quo. Nada mudará
no rumo traçado nos últimos anos – e se nada muda, não podemos esperar que tudo
fique na mesma, antes que o “novo normal” seja, paulatina e seguramente, um
pouco pior. Esse pior, naturalmente, depende da perspectiva do observador. A
regressão económica, mesmo civilizacional, que a Europa sofreu nos últimos anos
não é subjectiva, é relaticamente fácil de medir; mas esse raciocínio não é
válido para a Alemanha, que no meio de uma crise longa e generalizada faz
figura de oásis – cinzento e regrado, mais ainda assim um oásis. Logicamente,
para o eleitorado alemão a argumentação para uma mudança política é muito
fraca: as exportações do país continuam saudáveis, a taxa de desemprego é a
mais baixa de continente, os contribuintes alemães não sacrificam um milímetro
do seu bem-estar para auxiliar os seus congéneres europeus que vivem do lado
errado do euro – euro do qual até agora o próprio país retirou os maiores
benefícios, tangíveis ou intangíveis. De facto, porquê mudar?
Para mim a
surpresa residiu sim nas grandes expectativas que a Europa, e sobretudo os
países da periferia em dificuldades, tinham em relação a esta eleição. A ilusão
narrava que para que a Alemanha fosse mais solidária, mais decidida e assumisse
mais as responsabilidades – e os custos – da sua agora incontestada liderança,
bastaria que Merkel perdesse as eleições para uma coligação de esquerda; quando
se tornou evidente que tal não aconteceria, a esperança passou a residir numa
“grande coligação” CDU-SPD; e agora que essa mesma se afigura provável, crescem
as suspeitas de que a política dos “pequenos passos”, fazendo apenas o
estritamente necessário para que o euro – e a Europa – não se desintegrem, vai
manter-se imperturbável.
CDU e SPD, os dois maiores partidos alemães, não divergem substancialmente na sua receita de consenso, forjada na grande tradição do ordoliberalismo do país. E os ganhos que o SPD vier a obter na sua negociação política serão apenas para consumo interno: eventualmente um maior orçamento social, e talvez a adopção de um salário mínimo (que a Alemanha não tem). “Europa” continuará a ser uma competência exclusiva da chanceler – uma pasta que ela ocupa de forma relutante e sempre da mesma forma cautelosa e apenas reactiva, com os resultados que todos conhecemos, ou seja, uma animosidade crescente entre todos os países europeus que a médio prazo levará à deriva totalitária do projecto da UE. Nessa altura todos perderemos, e a Alemanha mais que todos. A menos que algo mude, e ainda assim... “O Leopardo” termina com a ruína ou morte de todos os seus personagens.
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