Sandra está
infeliz.
A Sandra, a
personagem fictícia deste texto, nasceu algures entre final da década de 70 e o
princípio da década de 90 – ou seja, está hoje em dia entre os seus vinte e
muitos e os seus trinta e poucos anos. Pertence ao que sociologicamente se
designa por “Geração Y”, os filhos dos baby
boomers nascidos a seguir ao fim da II Grande Guerra, e netos da geração
anterior, que teve de viver a Grande Depressão e lutar na mesma guerra. Mas
claro, a Sandra é portuguesa, pelo que as condições dos seus pais e avós são
algo específicas em relação ao resto do mundo ocidental: os avós não desembarcaram
na Normandia, mas sofreram na década de 40 a escassez de alimentos que
prolongou a Grande Depressão por muitos anos; e os pais, esses sim lutaram numa
guerra - a colonial - ou tiveram que escapar da ditadura para fugir a esta. De
uma forma ou de outra, as condições materiais eram mais duras que numa Europa
(ou Estados Unidos) em pleno frenesim dos “trinta anos gloriosos” de crescimento
contínuo. Os avós da Sandra tiveram vidas acanhadas, de trabalho árduo e poucas
recompensas, e quiseram para os seus filhos – os pais da Sandra – uma vida
economicamente mais fiável. A “segurança” no emprego ganhou laivos de obsessão.
Os pais da Sandra foram educados com a esperança numa vida melhor do que a
geração anterior, sabendo que teriam de trabalhar muito para isso.
Os resultados dos
pais da Sandra saíram bem melhores que a encomenda. Logo no início da sua vida
activa, na década de 70, aconteceu a revolução em Portugal. As oportunidades
pareceram ilimitadas, as mulheres emanciparam-se, a educação deixou de ser uma
utopia. No mundo ocidental, as décadas de 80 e sobretudo 90 foram, no seu
cômputo geral, de uma prosperidade económica sem precedentes, e alguns pingos
dessa prosperidade também salpicaram Portugal; os pais da Sandra chegaram mesmo
muito mais longe do que esperavam no início da sua vida activa, quando tudo
eram incertezas. Essa margem positiva entre as expectativas e a realidade fez
deles pessoas ajustadas e felizes, e também os levou a educarem a Sandra de
forma diferente – não tanto com ênfase numa carreira linear, mas sim levando-a
acreditar que ela podia ser tudo o que quisesse, porque a isso tinha um direito
quase divino.
O Google consegue
provar a mudança de mentalidades: uma ferramenta muito útil, o Ngram, mede a
ocorrência de palavras impressas em qualquer perído de tempo. Aí vemos que a
popularidade de “segurança no emprego” tem vindo sempre a decair ao longo do
tempo, enquanto que o conceito de “segue o teu instinto” só apareceu há uns 20
anos. A Sandra foi educada a “ser especial”, destinada a grandes voos. O
problema é o choque com a realidade: se todos são especiais, por definição,
ninguém o é; não há, numa sociedade em crise económica profunda e prolongada,
oportunidades para crescer e chegar longe – e quando as há não chegam
naturalmente para todos. A Sandra vive agora a sua vida abaixo das expectativas
irrealistas que tinha; para compor o cenário, e graças ao fenómeno recente da
internet social, tem a impressão (errada) que todos os seus conhecidos viajam
muito e vão a muitas festas, enquanto ela está a ficar para trás. E talvez
esteja: o peso da dívida que lhe chega das gerações anteriores vai cercear-lhe
as possibilidades durante muitos e muitos anos. A Geração Y está a perder os
sonhos e a tornar-se infeliz – ah, e a sua sucessora, a Geração Z, não tem
esperanças mais altas.
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