quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Geração Y, de ynfeliz

Sandra está infeliz.

A Sandra, a personagem fictícia deste texto, nasceu algures entre final da década de 70 e o princípio da década de 90 – ou seja, está hoje em dia entre os seus vinte e muitos e os seus trinta e poucos anos. Pertence ao que sociologicamente se designa por “Geração Y”, os filhos dos baby boomers nascidos a seguir ao fim da II Grande Guerra, e netos da geração anterior, que teve de viver a Grande Depressão e lutar na mesma guerra. Mas claro, a Sandra é portuguesa, pelo que as condições dos seus pais e avós são algo específicas em relação ao resto do mundo ocidental: os avós não desembarcaram na Normandia, mas sofreram na década de 40 a escassez de alimentos que prolongou a Grande Depressão por muitos anos; e os pais, esses sim lutaram numa guerra - a colonial - ou tiveram que escapar da ditadura para fugir a esta. De uma forma ou de outra, as condições materiais eram mais duras que numa Europa (ou Estados Unidos) em pleno frenesim dos “trinta anos gloriosos” de crescimento contínuo. Os avós da Sandra tiveram vidas acanhadas, de trabalho árduo e poucas recompensas, e quiseram para os seus filhos – os pais da Sandra – uma vida economicamente mais fiável. A “segurança” no emprego ganhou laivos de obsessão. Os pais da Sandra foram educados com a esperança numa vida melhor do que a geração anterior, sabendo que teriam de trabalhar muito para isso.

Os resultados dos pais da Sandra saíram bem melhores que a encomenda. Logo no início da sua vida activa, na década de 70, aconteceu a revolução em Portugal. As oportunidades pareceram ilimitadas, as mulheres emanciparam-se, a educação deixou de ser uma utopia. No mundo ocidental, as décadas de 80 e sobretudo 90 foram, no seu cômputo geral, de uma prosperidade económica sem precedentes, e alguns pingos dessa prosperidade também salpicaram Portugal; os pais da Sandra chegaram mesmo muito mais longe do que esperavam no início da sua vida activa, quando tudo eram incertezas. Essa margem positiva entre as expectativas e a realidade fez deles pessoas ajustadas e felizes, e também os levou a educarem a Sandra de forma diferente – não tanto com ênfase numa carreira linear, mas sim levando-a acreditar que ela podia ser tudo o que quisesse, porque a isso tinha um direito quase divino.

O Google consegue provar a mudança de mentalidades: uma ferramenta muito útil, o Ngram, mede a ocorrência de palavras impressas em qualquer perído de tempo. Aí vemos que a popularidade de “segurança no emprego” tem vindo sempre a decair ao longo do tempo, enquanto que o conceito de “segue o teu instinto” só apareceu há uns 20 anos. A Sandra foi educada a “ser especial”, destinada a grandes voos. O problema é o choque com a realidade: se todos são especiais, por definição, ninguém o é; não há, numa sociedade em crise económica profunda e prolongada, oportunidades para crescer e chegar longe – e quando as há não chegam naturalmente para todos. A Sandra vive agora a sua vida abaixo das expectativas irrealistas que tinha; para compor o cenário, e graças ao fenómeno recente da internet social, tem a impressão (errada) que todos os seus conhecidos viajam muito e vão a muitas festas, enquanto ela está a ficar para trás. E talvez esteja: o peso da dívida que lhe chega das gerações anteriores vai cercear-lhe as possibilidades durante muitos e muitos anos. A Geração Y está a perder os sonhos e a tornar-se infeliz – ah, e a sua sucessora, a Geração Z, não tem esperanças mais altas.

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