quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O ocaso de “Ronaldo”

“Durão Barroso é o nosso Cristiano Ronaldo da política internacional”. A frase faz sorrir pelo seu absurdo, mas se lhe dedicarmos mais um pouco de atenção, não deixa de ser ligeiramente insultuosa – desde logo para o próprio Ronaldo, que é indubitavelmente um futebolista excepcional, o melhor de sempre em Portugal e um dos melhores da história do próprio desporto; mas também para a nossa inteligência, que mesmo sabendo como todos os políticos tentam sempre colar-se à imagem dos vencedores na busca vã de algumas migalhas de aura, é ferida por uma comparação tão estapafúrdia. O autor da afirmação é o embaixador da União Europeia em Washington, João Vale de Almeida, e compreende-se melhor se soubermos que ele foi por muitos anos chefe de gabinete do próprio Barroso.

O “Ronaldo” dos políticos portugueses aproxima-se do final da sua carreira além-fronteiras – dois mandatos, de cinco anos cada, oferecidos graciosamente pelo “Özil” da política internacional, Angela Merkel, com a assistência mais ou menos activa do “Benzema” da política internacional, Jacques Chirac, e do “Gareth Bale” da política internacional, Tony Blair. E tal como Cristiano acaba de fazer, também Barroso, cujo salário actual como presidente da Comissão Europeia não é nada de transcendente, deve estar prestes a assinar o contrato da sua vida com algum conglomerado privado, enquanto espera por eleições presidenciais em Portugal. As semelhanças terminam aí: a saída de Barroso não vai provocar saudades. Os dez anos em que ocupou o prestigiado cargo coincidiram com um declínio permanente da importância da Comissão (e foi mesmo criado um cargo de presidente permanente do Conselho, ocupado por Van Rompuy, que retira muita da relevância àquela); mais do que isso, foi a própria construção europeia que estagnou primeiro e regrediu depois, pela fadiga do alargamento, pela falta de inspiração ou competência para lidar com novos desafios. E depois, há exactamente cinco anos, o banco Lehman Brothers faliu – e a Europa compreendeu rapidamente que o abismo económico não estava assim tão longe.

Se a compreensão foi rápida, a reacção foi lenta e hesitante – e pior que isso, tem vindo a agravar os nossos problemas, num círculo vicioso de egoísmo, empobrecimento e decadência. Barroso veio esta semana fazer o seu último discurso do “Estado da União”, um ritual anual onde se escamoteia a realidade e se amplificam as boas notícias. Neste caso, elas vieram sob a forma de uma tímida fuga à recessão em alguns países do sul, e talvez o número de 26 milhões de desempregados tenha deixado de aumentar a cada mês... muito pouco para apresentar como resultados de um bom trabalho. O panorama inegavelmente cinzento levou a que grande parte do discurso tenha sido passado em autojustificações pelo passado, cinco “anos de chumbo” que nos deixam agora em terreno fértil para os candidatos populistas anti-Europa no ciclo de eleições continentais que começará agora na Alemanha. Barroso anunciou algumas vagas ideias para o futuro (algumas delas já referidas em anteriores ocasiões), como “reforçar o crescimento e o emprego” e concretizar a união bancária, ou investir na inovação e na ciência, bem como na segurança energética. É muito difícil discordar de algo aqui, mas francamente, passaram dez anos – já seria mais que tempo que este “Ronaldo” descobrisse como marcar golos. Com este tipo de avançado, a Europa nunca se qualificará para o campeonato do mundo.

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