terça-feira, 10 de julho de 2012

O não assunto do não ministro


Leitor, gostaria de tirar um curso superior para subir (rapidamente) na vida? Não há qualquer problema. Inscreva-se numa juventude partidária, cole alguns cartazes e, ao fim de algum tempo, mande os outros colarem cartazes. Apareça em alguns jantares, vá lanchar com as pessoas certas, pratique actividades finas (equitação ou golfe nunca passam de moda) e sobretudo inscreva-se numa sociedade secreta qualquer (em Portugal, a Maçonaria trabalha muito bem). Depois escolha uma universidade privada onde os seus novos amigos tenham bastante influência, e já está: após um ano sem pôr os pés nas aulas e quatro meros exames (avaliados pelos seus companheiros de partido, lembre-se), já pode exigir que o tratem por "doutor".

Foi este o percurso do n.º 2 do governo português, o ministro Miguel Relvas, um político arrivista que graças à sua "experiência profissional" (de alguns meses em empresas de consultoria, por exemplo) obteve equivalências a 32 das 36 cadeiras que constituem a licenciatura em Ciências Políticas na Universidade Lusófona. Ironicamente, uma das cadeiras que Relvas foi mesmo obrigado a fazer chama-se "Introdução ao Pensamento Contemporâneo" - e haverá algo mais contemporâneo que o compadrio, a mentira e a corrupção? O professor da cadeira considerou que não, e avaliou o agora ministro com 18 valores. O primeiro-ministro português, Passos Coelho, desvaloriza todo o caso como um "não assunto" - mas um curso de Ciências Políticas (um a sério) ensinaria logo à partida que a relação de confiança entre eleitor e eleito é um eixo essencial de todo o sistema. E também que a ignomínia ao poder nunca deu bons resultados.

O ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares nem sequer é original: a política europeia apresenta-nos actualmente uma onda de casos de distorção do percurso académico cometidas por políticos de carreira com altas responsabilidades na gestão da coisa pública. Ainda em Portugal, o anterior primeiro-ministro, José Sócrates, licenciou-se a um domingo numa universidade sem qualquer credibilidade. Só na Alemanha foram descobertos recentemente sete casos de plágio de teses de doutoramento (todos bem dissecados pelo excelente sítio VroniPlag Wiki), atingindo em cheio dois deputados europeus dos liberais e, no caso mais mediático, Zu Guttenberg, o ministro da Defesa e "menino querido" de Angela Merkel e dos cristãos-democratas no poder.

Na Hungria foi o próprio presidente do país a cair em desgraça por ter copiado o trabalho de um conhecido autor búlgaro, e nem a maioria absoluta do seu partido no Parlamento o salvou da vergonha da demissão. Na própria Bulgária, a ministra da Agricultura inventou uma licenciatura em Berlim (falsificando para isso as assinaturas dos professores) e só foi apanhada por ter também tentado justificar a sua evidente gravidez com "um tumor". Na Roménia, o primeiro-ministro Victor Ponta viu dois ministros consecutivos escolhidos por si serem obrigados a demitirem-se por plágio académico - a ironia é que ambos os ministros tinham a pasta da... Educação. E agora é o próprio Ponta a ver-se envolvido no seu próprio escândalo de plágio, que certamente levará à sua demissão.

Em todos estes casos, os detentores de cargos políticos lutaram com unhas e dentes para se agarrarem ao lugar e conseguiram-no durante uns tempos, apenas logrando com isso enfurecer ainda mais a opinião pública contra si próprios e, por extensão, toda a credibilidade da classe política - e do sistema de ensino superior. Como tal, a pergunta impõe-se, premente: que espera o ministro Relvas para se demitir das suas funções pagas pelo pobre Estado português?

1 comentário:

  1. Muito obrigada por esse artigo fantástico num tema que tem sido latente na sociedade ha muito tempo.
    O caso da búlgara é umo dos muitos no meu país, mesmo que, é verdade, é o mais flagrante e mediatico.

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