segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Abraço de urso faz mais uma vítima

Há cerca de quatro anos, escrevi neste mesmo espaço um texto intitulado “Como treinares o teu urso alemão” (o título glosava um filme que estreava então nas salas, “Como treinares o teu dragão” – e curiosamente já então, tal como agora, o treinador do FC Porto parecia precisar de conselhos). O texto era sobre a redescoberta assertividade alemã e sobre a melhor forma de a Europa saber lidar com o seu país mais poderoso.

Passaram menos de quatro anos. Muita coisa mudou na Europa – se há uma constante da nossa época, é precisamente a velocidade crescente da mudança – e é absolutamente extraordinário como, em tão pouco tempo, a Alemanha passou de força dominante a potência hegemónica. Hoje, nada se faz de importante na Europa contra a opinião da sra. Merkel (eleita pela Forbes como “a segunda pessoa mais poderosa do mundo”) e do seu séquito. As consequências para a Europa estão à vista de todos, e ainda nem iniciámos o terceiro mandato de uma chanceler que parece imparável, rodeando as suas decisões de uma aura de inevitabilidade. E não admira: cada obstáculo que aparece no seu caminho, despertando justas ilusões em todos nós que sentimos que esse caminho leva à lenta mas segura morte da Europa, acaba por ser neutralizado quando não triturado.

A sua última vítima, depois de Hollande, é o outro grande partido alemão, o SPD (centro-esquerda). No seu primeiro mandato, Merkel fez um governo de coligação com o SPD, asfixiando-o – e nas eleições seguintes, em 2009, o partido obteve o seu pior resultado de sempre, dado que nada representava de novo ou diferente. Agora, para obter de novo o seu apoio no Bundestag, Merkel atirou ao SPD mais algumas migalhas de consumo interno: um salário mínimo, alguns investimentos em infra-estruturas. Os sorrisos de entendimento entre os dois grandes partidos rapidamente se transformarão num abraço de urso que tornará o SPD inofensivo.

Os restantes europeus ficam agora sem quaisquer ilusões quanto a uma Alemanha auto-redentora: nem uma vírgula vai mudar na forma paternalista como o país, aquele que mais beneficia com o euro e taxas de juro baixíssimas, vai lidar com os seus parceiros europeus, sobretudo os da periferia. Sobre obrigações europeias, nem uma palavra; mas sobre o acordo de comércio livre com quem nos espia, os “parceiros” americanos, aí sim há regozijo e entusiasmo. E, numa medida quase insultuosa mas realmente simbólica, as autoestradas passarão a ser pagas... para todos os não-alemães.

A Alemanha é parte do problema europeu, não é a solução. E, embora a tomada de consciência colectiva deste facto esteja distante, a Alemanha precisa mais da Europa que a Europa da Alemanha. Compete a essa mesma Europa demonstrá-lo. É necessário mudar, não a Alemanha, mas sim contra a Alemanha. Não é possível, nem desejável – muito menos necessário – viver quatro anos mais apenas a gerir a decadência e assistar à ascensão de um novo império egoísta.

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