Poderia
perfeitamente estar a referir-me ao cardeal Jorge Bergoglio, o argentino que se
tornou o Papa Francisco e que, seguindo a filosofia de Francisco de Assis, tem
dado provas de uma humildade e simplicidade inesperadas e refrescantes para o
sumptuoso cargo. O Papa ousou mesmo, há três semanas, assinar uma análise
crítica à persistente desigualdade económica no mundo como seu primeiro
documento oficial. O texto contém capítulos intitulados “Não à nova idolatria
do dinheiro”, “Não à economia da exclusão” ou ainda “Não à desigualdade que
leva à violência”. E não poupa nas palavras em relação ao ponto em que nos
encontramos: “Alguns continuam a defender teorias em como um mercado em rédea
livre vai inevitavelmente levar a mais justiça e inclusão pelo mundo. Esta opinião,
nunca confirmada pelos factos, revela uma confiança ingénua na bondade dos que
detêm o poder económico. Entretanto, os excluídos continuam à espera”.
Um texto desassombrado
pelo qual o Papa merece todo o respeito. Mas não é apenas Francisco quem quero
destacar nesta altura natalícia, em que se celebra o (suposto) nascimento de um
filósofo que há dois milénios já alertava para o poder nefasto da desigualdade
económica. O primeiro parágrafo refere-se a José Mujica, um político
extraordinário por vários motivos.
Mujica é
presidente do Uruguai. Mas este idoso pachorrento e mal barbeado, apesar de
representar um país com uma economia que está a crescer agradavelmente a uma
taxa de 3% ao ano, não vive num luxuoso palácio presidencial, mas sim na sua
pequena casa rural com um quarto; não se desloca a alta velocidade numa
limusine negra rodeada de motos da polícia, mas sim conduz um velho VW carocha,
além de viajar de avião em classe económica; não se queixa de apenas receber
10000 euros de reforma, mas pelo contrário distribui por pobres e necessitados
75% do seu salário; e acaba de anunciar querer adoptar 30 ou 40 crianças, a
quem tenciona ensinar as artes de trabalhar a terra.
O desapego material
de um líder político é admirável, mas ainda mais relevante são as políticas
liberais e progressistas que esse líder vai aplicando. A mais recente (e
surpreendente) provém de uma lei que vai regular a produção, venda e consumo de
cannabis, uma “experiência” – a
modesta descrição do próprio presidente – que vai retirar os lucros dos
traficantes, tratar o problema ao mesmo nível do álcool, e libertar a polícia
para lidar com crimes mais graves. Simultaneamente, abandona a hipocrisia da
proibição total e responsabiliza cada cidadão pelas suas escolhas, em vez de
ter o Estado-avózinha a tratar toda a sua população como crianças.
O pequeno Uruguai
ouviu os gritos globais de “legalizem-na!” (em relação à marijuana). Mas isso é
o menos; o que me apetecia mesmo era dizer: legalizem Mujica nos outros países.
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