segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Um Picasso no forno

Quadros de grandes artistas são irrepetíveis – e no caso de qualquer obra saída dos pincéis de um punhado de eleitos, pela sua raridade e importância, são também valiosos. E nada mais valioso que um Picasso, o nome que é mais rapidamente associado à genialidade, o homem que alterou toda a História da Arte com apenas um quadro  (“Les Demoiselles de Avignon” – uma representação protocubista de pobres raparigas num bordel da rua de Avignon em Barcelona). Quando a um Picasso adicionamos outros quadros da autoria de sobredotados como Monet, Matisse e Gauguin, chegamos facilmente a um espólio de 100 milhões de euros. Um valor que permite comprar Cristiano Ronaldo, um avião Airbus A320, construir dois hospitais em Portugal, ou mais de 100 mansões (mesmo num mercado inflacionado como o do Luxemburgo).

Tanto dinheiro não foi suficiente para convenver o museu Kunsthal em Amesterdão a instalar alarmes
na exposição temporária que organizava. Isso veio mesmo a calhar para um grupo de amigos precisados de dinheiro: primeiro dirigiram-se, a meio da madrugada, ao museu de História Natural da cidade – mas tiveram dúvidas sobre se seria assim tão fácil, ou lucrativo, revender fósseis de peixes e esqueletos de dinossauro. Seguiram então para o Kunsthal; os quatro ladrões demoraram exactamente três minutos a tirar os quadros das paredes, embrulhá-los e sair. Depois foi meter-se no carro com os quadros e guiar em direcção à Roménia. Estava consumado aquele que foi imediatamente apelidado de  “roubo do século”.

O cérebro da operação, Radu Dogaru, 29 anos, vem de uma pequena aldeia no extremo leste da Roménia, perto da Moldova. São os confins da Europa: 3000 habitantes, a maioria lipovanis (uma cisão da religião ortodoxa russa), e uma miséria da qual só é possível escapar emigrando ou entrando numa vida de crime. Mas Radu, procurado na Roménia por assassínio e tráfego de humanos, ainda está a começar no mundo da arte: nem sabe ao certo quanto valem os quadros que tem nas mãos, e sobretudo não os consegue revender por eles serem tão conhecidos. Acaba por chamar a atenção da polícia. Esta prende quase toda a quadrilha (um membro ainda está fugido) mas não encontra os quadros. Estes estão escondidos na casa de Olga, a mãe de Radu. Olga julga que sem o produto do crime, não há caso contra o seu querido filhinho; empilha o Picasso sobre o Monet, o Matisse do lado a aparar, o Gauguin a fazer peso, atira todos os quadros para dentro do forno onde habitualmente só assa galinhas, e acende os carvões.

A polícia chegou tarde demais à pequena aldeia romena. No forno, já só restavam vestígios de telas com óleo antigo e pregos usados em molduras do século XIX. O nosso património colectivo ficou mais pobre, enquanto a mãe (que nega agora ter queimado os quadros) e o filho Dogaru, bem como os seus cúmplices, arriscam agora 20 anos de prisão. O julgamento reinicia-se a 10 de Setembro e trará a uma história surrealista um epílogo mais concreto – mas a “Cabeça de Arlequim” de Picasso nunca renascerá, qual fénix, das cinzas de um forno romeno.

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