segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Um homem para a eternidade

Perdemos um amigo. Nelson Mandela não é apenas um ícone, um símbolo, uma figura maior que a vida, embora seja tudo isso. Era também um homem, alguém sincero que cultivava uma desarmante proximidade. Não era um amigo pessoal; era um amigo da humanidade, que melhora o mundo em que vivemos e que nos inspira pela força inabalável do seu exemplo, da sua coragem e da sua estatura moral.

Mas já lá vamos. Este texto não tenciona servir de elogio fúnebre a um homem, porque para essa função já muitos outros textos mais bem escritos apareceram antes. O que também parece interessante é fazer uma pequena retrospectiva e avaliar percursos: como mudam as opiniões à luz da extraordinária e improvável transformação de pouco conhecido e aprisionado líder da resistência em extraordinário líder político mundial...

Nos anos 80, as perspectivas do prisioneiro 46664 da prisão espartana em Robben Island eram assustadoras. De dentro da sua miserável cela, com um balde vermelho como casa de banho, Mandela caminhava para 27 anos nas mãos dos seus verdugos. Não são 27 dias... é toda uma vida. No final dessa década, o guerrilheiro completaria 70 anos; tinha a saúde debilitada e a visão afectada pelos trabalhos forçados da prisão. Steve Biko, Robert Sobukwe e outros grandes activistas já tinham sido assassinados há muito e o regime do apartheid parecia de pedra e cal, oficialmente proscrito pelo resto do mundo mas satisfeito com os seus negócios que traziam prosperidade aos seus habitantes (brancos).

Nessa altura, e mesmo reconhecendo o nome Mandela, o que nem era evidente, era muito duro estar do seu lado. Muito mais fácil e popular era estar ao lado, ou pelo menos não incomodar, os poderosos, os que estavam na mó de cima. Dos racistas que tinham criado o apartheid. Foi assim que o presidente Botha veio visitar a Madeira, recebido por João Jardim, em 1986; foi assim que o Portugal do primeiro-ministro Cavaco votou contra resoluções da ONU que apelavam à libertação de Mandela. Sim, estávamos do lado errado da História. Os representantes do país fizeram-nos engolir os princípios em nome de uma difusa servilidade aos interesses de um regime iníquo. E é também por isso que é chocante ser o mesmo Cavaco o nosso representante no funeral do próximo domingo; uma consciência (e uma memória) activas nunca o permitiriam.

 Mandela não abandonou os seus princípios, nem ao fim de 27 anos de prisão. Tal como Thomas More em “Um homem para a eternidade”, deve ter dito: “O que importa não é se é verdade, mas sim se eu creio; e não, não é eu creio, mas sim eu creio”. E quando os seus princípios finalmente prevaleceram, Mandela olhou em volta e perdoou. Nesse gesto tão simples quão magnífico, devolveu-nos a esperança na Humanidade.

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