Hoje, a viagem de
Mombasa a Malindi faz-se em duas horas por uma estrada razoável que apenas
requer alguma perícia para contornar todos os obstáculos que abundam no Quénia,
desde rebanhos de cabras a babuínos passando por camiões tombados e condutores
com os máximos permanentemente ligados. Mombasa, que acabou por ser conquistada
pelos portugueses não através do comércio mas pela força das armas, continua
nos nossos dias a ser um porto comercial vibrante e uma ilha difícil de atingir
(só há uma ponte), foi a capital do território até que os novos colonizadores
ingleses, fartos do calor da costa e dos mosquitos, se refugiaram na altitude
de Nairobi. Melinde, por seu lado, foi perdendo dimensão e estatuto e é hoje
uma cidadezinha relativamente neutra, não fora por dois sobressaltos: os
decadentes hotéis de praia; e os marcos da presença portuguesa. O padrão
mandado erigir por Vasco da Gama no seu retorno continua lá, altivo, numa
pequena península que guarda a baía, e é encimado por uma cruz de pedra coralina
provinda de perto de Lisboa, logo original. Está em relativo risco, dado que a
erosão causada pelo mar ameaça fazer ruir a coluna mais cedo ou mais tarde. Mas
entrementes é visitado por toda a gente, habitantes, escolas ou turistas no
local. A menção de que somos portugueses, por toda esta costa, continua a
suscitar surpresa e respeito.
segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
Por mares nunca dantes navegados
Melinde. Este
nome de cidade africana foi como um bálsamo, primeiro, e uma miragem salvadora,
depois, para a exausta e depauperada tripulação de Vasco da Gama e da sua frota
de três naus mais um barco de mantimentos. Na viagem de ida surgiu ao caminho
dos navegadores apenas uma semana depois da mal-sucedida abordagem a Mombaça, a
ilha onde os mercadores árabes tinham um monopólio impenetrável. Já Melinde, o
outro grande porto da contracosta africana, acolheu favoravelmente os
portugueses numa lógica concorrencial de “os inimigos de Mombaça são nossos
amigos”: o sultão recebeu os presentes do enviado do rei D. João II, permitiu a
reequipagem da frota e, famosamente, facultou a Gama um piloto que já conhecia
as monções e a parte do Índico que restava cruzar até aportar na Índia. Camões
imagina o navegador a narrar ao sultão os grandes momentos da História de
Portugal; nunca saberemos se foi realmente assim, mas o sultão jurou fidelidade
ao rei português, e o porto tornou-se inestimável como guarda avançada do império
construído no Oriente – desde logo, na muito mais dura viagem de volta pelo
mesmo percurso. Ignorando a força das monções, a frota navegou contra o vento,
e a mesma distância Melinde-Calecute que tinha demorado 23 dias à ida demoraria
agora 132 dias. Foi um Vasco da Gama enfraquecido que reencontrou o sultão;
metade da tripulação tinha morrido, e quase toda a restante sofria com o
escorbuto. Mais uma vez, o porto amigo de Melinde permitiria à frota
recompor-se, e chegar rapidamente de volta ao Cabo.
Perto fica uma pequena
capela mandada erigir por S. Francisco Xavier na primeira das suas viagens
missionárias, 40 anos depois de Vasco da Gama. As quatro paredes caiadas
originais continuam a albergar missas, mas o local também não beneficia de uma
conservação eficaz – até porque ao contrário do monumental Forte de Jesus, em
Mombaça, nem o padrão nem a capela gozam da protecção da Unesco, e como
aqueles, vários outros padrões espalhados pela costa de África e pelo Oriente
estão ameaçados pela negligência. Não é pedir muito que seja Portugal a
ocupar-se deles; é o nosso legado, é a lembrança de uma gesta heróica, é o
símbolo de nossa vocação universalista (mesmo estando esta hoje em perigo).
Sejamos orgulhosos e salvemos os padrões dos navegadores.
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