segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Game Over

Este é um texto forçosamente nostálgico, porque fala da infância e de recordações trazidas à tona por algo que se afunda. Neste caso, por uma empresa surgida da imaginação de um contabilista (!) portuense nos duros tempos a seguir à II Guerra: a Majora chegou a ser nos seus tempos áureos – início da década de 80 – um quasi-monopólio da diversão em Portugal. Várias gerações passaram horas esquecidas a atirar dados jogando Monopólio, Jogo da Glória, Petroleiros ou dezenas de outros títulos, jogos que tinham sido antecedidos por clássicos mais artesanais como Sabichão ou Pontapé ao Goal.

A Majora chegou a empregar, numa fábrica fervilhante de actividade, 130 pessoas; hoje, com o despedimento dos últimos 30 empregados, o edifício está vazio, esperando o golpe de misericórdia. Inquiridos sobre as razões de uma decadência tão abrupta, quem lá trabalhou aponta “esta crise, que faz as pessoas cortarem no supérfluo, a começar pelos jogos. E além disso os portugueses não têm tradição de jogos de tabuleiro como os outros europeus”.

Já se sabe que tanto a crise como os portugueses têm as costas largas, logo esta explicação é confortável. Mas errónea. Os portugueses gostam de diversão, não têm é culpa se uma empresa não sabe preencher os seus anseios. Acresce que os jogos em geral têm uma elasticidade bastante baixa que, em alguns contextos, chega mesmo a ser positiva; significa isto que quando os consumidores sofrem uma redução no seu rendimento compram mais jogos (e não menos), dado que estão a investir num produto que os fará passar um tempo poupadinho recolhidos em casa, em vez de em bares ou restaurantes. Na verdade a lenta descida aos infernos da Majora começou bem antes de 2008, ano fatídico de explosão da “crise”. A empresa estagnou e viu-se completamente ultrapassada pelas mudanças que o mercado lhe pedia. Enquanto a esmagadora maioria dos consumidores prefere, e isto há mais de 20 anos, jogar em mundos virtuais computadorizados, a companhia insistiu teimosamente em agir como sempre tinha agido: confiando o seu destino a produtos que tinham sido um sucesso infantil há décadas. Nos últimos meses ainda lançou uma aplicação para smartphones – foi demasiado pouco, demasiado tarde.


A comparação com outra empresa familiar de brinquedos, a Lego, é gritante. Esta empresa criada por um carpinteiro dinamarquês nunca se deitou à sombra do sucesso dos seus tijolos de plástico e, atenta à mudança constante no ambiente de negócios, não mais parou de diversificar: o primeiro jogo de computador Lego, por exemplo, foi logo lançado em 1997 e desde aí a marca já produziu nada menos de 46, cobrindo todas as plataformas. O primeiro livro associado surgiu pouco depois, seguido pelo primeiro de 23 filmes usando os produtos da marca (e a estrear em 2014 há o “Filme da Lego”, já em produção), para não falar em seis parques de diversões espalhados pelo mundo. Uma marca valiosíssima apoiada em valores éticos (como a recusa de temas abertamente bélicos) e de obsessão pela excelência: o lema da empresa, adoptado pelo fundador, continua a ser “Mesmo o melhor nunca será suficientemente bom”.

Duas empresas familiares de brinquedos criadas do nada na década de 40, obtendo as duas um sucesso demolidor. E em seguida, caminhos opostos: uma história de sucesso, outra de fracasso. Aprenda o próximo empreendedor com energia as lições da Lego e da Majora, e talvez daqui a uns anos estejamos a falar não de mais uma falência, mas de uma nova marca portuguesa global.

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