quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

2015 já começou mal


2015 começou mal. E tudo por causa de um homem, Ulrich Beck, cujo coração falhou logo no dia 1 de Janeiro. Beck era um pensador, um sociólogo alemão que representava uma das poucas vozes lúcidas que nos restavam, um respeitado professor - talvez o investigador mais citado da actualidade - que na suas aulas, palestras ou entrevistas sempre se distinguiu pelas suas ideias lúcidas e positivas, uma influência e uma inspiração para quem com ele contactava.

Beck escreveu um livro marcante em 1986, "Sociedade de Risco", traduzido para 37 línguas (em português somente do Brasil). Nele argumenta que a tecnologia e a globalização estão a destruir a estrutura da sociedade industrial que conhecemos, baseada nas famílias e no emprego, criando riscos novos como a radioactividade ou o terrorismo que passam a estar no centro das preocupações individuais - mas já não societais - de cada um de nós.

Actualmente o seu interesse principal estava na Europa (e por isso foi convidado a falar em Portugal há apenas 8 meses), mais precisamente na construção europeia que considerava algo de simultaneamente lógico e necessário para lidar com a força centrífuga da globalização, regulando-a. O alemão, europeísta convicto, alertou sempre para os perigos de uma "Europa alemã", à qual considerava até que já chegámos, por oposição à desejável "Alemanha europeia". Era um enorme crítico das hesitações e imposições da chanceler Merkel (chamada corrosivamente de "Merkiavelli"), a quem acusava de estar a destruir a Europa em nome de uma descarada tomada de poder. No seu último e essencial livro, de 2013, sublinha que a União corre o risco de evoluir para uma Europa feudal, onde os mais poderosos votam sob a égide da Alemanha e onde os outros se submetem. Uma Europa impossível, "onde não vale a pena viver".

E tinha ainda muito para dizer-nos quanto à possibilidade, que considerava desastrosa, de algum país sair do euro, fantasma que por estes dias volta a assombrar a Grécia. Foi neste contexto turbulento que Beck morreu, deixando o campo do bom senso ainda mais vazio. Para a Europa e não só, não é um bom augúrio para o início de um novo ano.

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