"Se as tuas fotos não
ficaram boas, é porque não estavas suficientemente perto", disse uma vez o
grande Robert Capa, talvez o melhor repórter de guerra de sempre. A sua foto
mais famosa foi tirada logo na sua primeira missão, aos 22 anos, no início da
guerra civil espanhola, e representa um soldado anarquista que tomba, ferido
mortalmente por uma bala traiçoeira.
Ironicamente, as
investigações mais recentes parecem indicar que esta foto, ícone da brutalidade
das tropas franquistas, foi fabricada. O debate é tão velho como apaixonado: se
não documentar uma morte "real", a fotografia deixa de representar os
horrores da guerra? Sabendo que a foto ultrapassou em muito as fronteiras do
jornalismo e se tornou “arte”, e dado que a arte imita a vida, a foto do
“Soldado caído” é aceitável e importante, da mesma forma que a “Guernica” de
Picasso o é. Se efectivamente tiver sido fabricada, no entanto, está muito mais
próxima da simples propaganda do que do jornalismo.
O Jornalismo, com letra maiúscula,
foi outra das vítimas de Paris. A impressionante manifestação do dia 11 de
Janeiro levou às ruas dois, três milhões de pessoas, cidadãos anónimos que, de
forma muitas vezes emocionada, quiseram gritar bem alto que não têm medo, que
os valores republicanos prevalecerão, que a Liberdade não é negociável.
Os jornais do mundo todo –
e neste caso não se trata de uma força de expressão, foram mesmo os jornais do
mundo todo – destacaram a impressionante demonstração de convicções e unidade
vindas da Cidade-Luz. E papaguearam quase sem excepções: a gigantesca manif
“tinha sido liderada pelos políticos”, com Hollande, Merkel, Juncker, Renzi na
linha da frente, ladeados por outros nomes ainda menos recomendáveis como
Netanyahu, Lavrov ou Davutoglu, e perseguidos por um Sarkozy que ganhou o seu
lugar na primeira fila à custa de cotoveladas. Esse guião era corroborado por
fotos, tiradas sempre de longe, de frente e com uma objectiva de longa
distância focal que “esmaga” a perspectiva, da autoria dos mais conceituados
foto-repórteres e para os mais credíveis jornais e agências noticiosas. Fotos onde
políticos impecavelmente vestidos, entrelaçados e de ar compungido, estão na
linha da frente de uma multidão emocionada.
Essas fotos são um embuste.
Uma manipulação. Uma infâmia. Sabemo-lo porque alguém, anonimamente, furou o
círculo da mentira e fez chegar ao Le
Monde uma outra foto, tirada de um ângulo mais elevado, que mostra uma
realidade diferente: a rua vazia, e vedada, bem longe da verdadeira
manifestação na praça da República, onde os políticos se organizaram para a
farsa, caminhando por 200 metros e acenando para o vazio, posando para fotos
hipócritas que lhes darão muitos votos nas próximas eleições.
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