quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Devolvam o nosso dinheiro

A explosão global do escândalo LuxLeaks, a 6 de Novembro – meros 5 dias após o início de funções de Jean-Claude Juncker – manietou seriamente a suposta renovada dinâmica que a nova Comissão Europeia se propunha imprimir, logo desde o início, ao projecto europeu. Nesse dia, Juncker faltou à cerimónia pública que tinha prevista a sua presença, e desde aí tem gerido as suas aparições com parcimónia e cuidado. Mas a moção de censura da extrema-direita europeia acabou por funcionar a favor do luxemburguês, ao permitir-lhe emergir mais forte depois de um voto de respaldo ainda mais significativo do que aquando da sua eleição original pelo mesmo Parlamento Europeu.
 
Mas o espectro LuxLeaks é grande, e promete continuar a assombrar a Europa. Os holofotes incidiram repentinamente sobre os negócios obscuros – “legais”, mas obscuros – que a administração tributária do pequeno Grão-Ducado celebra com milhares de multinacionais de forma a que estas consigam escapar ao pagamento dos seus impostos devidos nos países onde efectivamente conduzem os seus negócios e obtêm as suas receitas, apenas deixando no Luxemburgo um montante que frequentemente equivale a 1% dos seus lucros – e por vezes nem isso, dado que os lucros também podem ser mascarados de muitas formas.

Tal como em outros centros mundiais BEPS (Base Erosion and Profit Shifting, algo como erosão da base tributária e transferência de lucros), como Jersey, ilhas Caimão ou Hong Kong, também aqui há centenas de companhias registadas num único endereço. O número 46A da avenida J.F. Kennedy alberga mais de 1300 empresas. O edifício na avenida Charles de Gaulle n.º 2 apresenta 1450, e o recordista é o edifício na rua Guillaume Kroll n.º 5, em Cloche d’Or (a dois passos de edifícios onde funcionam a Comissão e o Parlamento europeus): ali estão registadas mais de 1600 companhias diferentes.

Não é preciso ser muito bom com números para perceber que nem todas estas empresas têm verdadeiros escritórios ou actividade (no sentido estrito do termo) no país. Simplificadamente, a lei só requer que elas apresentem uma morada, um contacto, uma conta bancária carregada, e a demonstração que “decisões importantes” são tomadas no Luxemburgo.

Só que essas decisões importantes sonegam aos cofres públicos dos países europeus dinheiro que lhes era devido em impostos – dinheiro de todos nós, cidadãos europeus. Quanto dinheiro? Muito, muitíssimo, tanto que é praticamente incalculável. Uma estimativa relativamente conservadora aponta para que a economia europeia como um todo perca – a cada ano – 900 mil milhões de euros para a evasão e elisão fiscais, um valor que cobriria mais de 11 vezes o empréstimo que Portugal teve de pedir à troika e que será pago em décadas, à custa de uma economia em frangalhos.

LuxLeaks configura um caso grave e que deve ser pelo menos investigado. Como cidadãos, contribuintes, pessoas vítimas de uma austeridade cega e sem fim, temos o dever de o exigir.

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