O
vilarejo belga de Ploegsteert voltou esta semana a ver os pesados uniformes
caqui do exército britânico e os lúgubres uniformes cinzentos do exército
alemão. O pretexto foi a inauguração de um monumento ao jogo de futebol
realizado entre soldados dos dois exércitos que constituiu uma espécie de ponto
culminante da célebre “trégua de Natal” de 1914, quando a Grande Guerra parou
espontaneamente.
A
loucura tinha começado em Agosto. E alguns tinham embarcado em direcção à
frente convencidos que aquela carnificina sem sentido estaria terminada a tempo
de poderem passar o Natal em casa. No entanto, chegado Dezembro, qualquer
soldado enterrado nas trincheiras ensopadas já sabia que do outro lado estavam outros
homens que partilhavam da mesma miséria interminável.
Na
noite de Consoada ouviu-se um cântico de Natal. O outro lado respondeu com
outro. Em vários pontos da linha da frente, soldados alemães desejaram – em
inglês – “Merry Christmas” àqueles que até aí tinham tentado matar, e
vice-versa. Pequenos grupos encontraram-se na terra de ninguém para se
cumprimentar, trocar tabaco, comparar experiências. Dar um rosto ao inimigo. E
também cumprir a macabra tarefa de resgatar os cadáveres dos camaradas caídos
no campo de batalha.
Todos
tinham consciência do perigo mortal que corriam. Não era apenas a possibilidade
bem real de tudo não passar de uma pérfida armadilha e a qualquer momento o
inimigo poder disparar à traição; era também a certeza de que os oficiais
superiores, desde as suas posições confortáveis a uma distância segura da linha
da frente, continuavam a acirrar os ânimos e proibir terminantemente a confraternização
com o inimigo – equiparada a traição e passível de ser punida com tribunal
marcial e fuzilamento. Aqueles homens a quem já tinha sido tirada a dignidade
tornavam-se pouco a pouco em máquinas de matar animalescas que viviam
enterradas na lama. A única opção parecia ser a de matar para não, e até,
morrer.
E no
entanto eles desafiaram as ordens e o medo.
Em
dois ou três locais, incluindo o campo lamacento em St Yvon onde está agora uma
estátua, aconteceu o impensável. No dia de Natal, os regimentos trocaram as
armas por uma bola de futebol (provavelmente seria apenas uma “bola” feita de
trapos) para darem a este grande desporto uma das suas histórias mais
comoventes e duradouras. O diário de um soldado alemão afirma que o seu lado
venceu por 3-2; não temos provas suficientes para ter a certeza. Mas afinal, em
amigáveis o resultado é o que menos importa.
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