quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A Europa suspensa da Escócia


Amanhã (quinta-feira) é um dia histórico, o dia em que a Europa pode ganhar um novo país (seria o seu 51.º, se não contarmos com alguns territórios controversos). Os mais de 4 milhões de eleitores a viver na Escócia (não apenas escoceses, mas também todos os cidadãos da UE) vão às urnas para responder da forma mais simples possível, sim ou não. A pergunta é que é devastadora: deve a Escócia abandonar o Reino Unido e tornar-se independente?
Breve contexto histórico: a Escócia sempre foi uma “nação” independente, com os próprios romanos a demarcarem a sua fronteira construindo a muralha do imperador Adriano. Após séculos a repelir várias invasões dos seus ávidos vizinhos ingleses – a mais famosa das quais romanceada pelo filme “Braveheart” –, a Escócia empobreceu graças a um mirabolante esquema de investimentos no Panamá. O medo do futuro empurrou a nobreza para um casamento de conveniência com Londres em 1707 – nascia o Reino Unido, que diluía a bandeira azul da cruz de Santo André atrás de outras mais vermelhas e brancas.
A pulsão independentista é recente no país e, ao contrário do que seria de esperar, as mortíferas batalhas medievais nem foram argumento de campanha. Também poucas vezes foi referida a grande responsável pelo afastamento entre os dois países, a primeira-ministra Thatcher, cujos anos de governo nos anos 80 significaram uma centralização crescente em Londres e o desprezo votado às cidades do Norte, então em forte decadência. Pelo contrário, a campanha do “Sim à Escócia” foi feita pela positiva, fazendo muitos eleitores acreditarem que a Escócia independente será um lugar melhor do que actualmente, com a Escandinávia como modelo – e na verdade, se as receitas do petróleo do mar do Norte fossem atribuídas aos cidadãos escoceses em vez de canalizadas para Londres, a Escócia até teria um PIB per capita superior ao de Inglaterra.
Neste momento, metade da Europa está a suster a respiração, ansiosa pelo incerto resultado do referendo mais importante deste século até agora. Londres, que nunca acreditou que o “Sim” tivesse alguma hipótese e organizou o referendo como uma forma de pôr uma pedra no assunto, está agora em pânico; a imprensa iniciou uma estratégia tardia de intimidação e medo (o desvairado “Economist” titulou mesmo “O dia em que um país enlouqueceu”), enquanto os políticos acorreram a Edimburgo para assegurar que se o “Não” ganhar, a Inglaterra recompensará a Escócia com mais poderes e mais dinheiro. A Catalunha, que quer fazer o seu referendo em Novembro mas não tem autorização de Madrid, não perde pitada; a Flandres, a Baviera e a Itália do Norte seguem interessadas. E Lisboa devia estar assustada, porque embora os portugueses sejam politicamente passivos, o ostracismo a que vota o resto do país não passará para sempre impune.
E a Escócia? Em jeito de prognóstico, aqui fica: o referendo será como no Quebeque em 1995, e o “Não” vencerá por uma curta margem. O Reino Unido manter-se-á – mas nada mais será como dantes.

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