quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Vizinhança europeia

O luxemburguês Jean-Claude Juncker ultrapassou, com um voto favorável no Parlamento Europeu, o último obstáculo na sua longa corrida para se tornar presidente da Comissão. Juncker precisava do apoio de uma maioria simples dos 751 deputados (ou seja, pelo menos de 376), o que foi garantido com relativo à-vontade na sessão plenária de 15 de Julho.
 
Escrevi as linhas acima um dia antes dos factos se verificarem, devido à data de fecho da edição do jornal em papel. Mas a futurologia é possível quando está bem ancorada em informação relevante: assim como não é difícil prever que equipas cujos treinadores não percebam muito de táctica e escolham jogadores em má forma não vão ganhar o campeonato do mundo de futebol, também é um risco calculado afirmar que Juncker será realmente eleito. Porque o democrata-cristão fez o seu trabalho de casa, trabalhando na sombra para assegurar que não existiriam surpresas de última hora. Um bom exemplo foi a forma como se sujeitou a uma reunião com cada um dos sete grupos políticos europeus, procurando dizer a cada um deles o que eles gostariam de ouvir: aos socialistas (que o têm apoiado mesmo mais que o seu próprio grupo) prometeu várias pastas incluindo a da Economia; aos eurocépticos reformistas, jurou “que não era um federalista”; aos liberais, que a “composição da sua Comissão estava totalmente em aberto” (negando assim o que tinha dito algumas horas antes).
 
Aos Verdes, grupo crucial e dividido na sua posição perante Juncker, foi prometida a oposição aos organismos geneticamente modificados e à privatização de serviços públicos, por exemplo. Mas mais uma vez as principais questões receberam uma resposta vaga e evasiva, algo de que todos os grupos, mesmo os democratas-cristãos, se queixaram. Do encontro com o novo grupo de direita populista, pouco interessado em discutir temas de fundo, não rezou a História. Mas o verniz político estalou de uma forma desagradável com o grupo da extrema-esquerda, que já era obviamente adverso a votar no luxemburguês. Juncker, preocupado com o seu telemóvel, primeiro demonstrou não dar a mínima importância ao que dizia o deputado português João Ferreira; em seguida aconselhou-o a ser breve “porque tem cinco vizinhos portugueses”, logo nem precisando de tradução para perceber a língua e “conhecendo bem” a situação do país, revelando ali um lado do político que os luxemburgueses conhecem bem: irascível, rude, paternalista. No seu pequeno país de origem, cheio de humildes vizinhos portugueses, Juncker pode eventualmente dar-se a esse luxo; como presidente da Comissão Europeia, gerindo os delicados equilíbrios políticos gerados por 500 milhões de habitantes do continente mais rico do mundo, não pode.
 
Juncker parece esquecer-se que a sua aprovação pelo PE decorre principalmente da vontade de respeitar a escolha democrática vinda das eleições europeias – e não de um genuíno entusiasmo pela sua pessoa ou o seu percurso. Ignorando este simples facto político, perdendo a capacidade de escutar e reagir às críticas, Juncker arrisca-se a ter recorrer mais vezes aos seus alegados vizinhos como fonte de ligação ao mundo real. Esperemos que nenhum deles se chame Cristóvão Colombo.

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