quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Lá se vai o pomar


É raro que uma pessoa se torne notícia pelo simples acto de migrar; habitualmente essa honra está reservada aos jogadores de futebol, seja no país de origem ou no de destino. Mais rara ainda é essa notícia se a migração se fizer no sentido Portugal -> Luxemburgo, tal é a avassaladora frequência desse acontecimento. Mas foi isso mesmo que aconteceu esta semana a Paulo Veríssimo, um cientista da Universidade de Lisboa. Veríssimo foi contratado pelo Fonds National de Recherche para desenvolver uma equipa de investigação na área da segurança informática de grandes sistemas, por exemplo aqueles ligados às infra-estruturas críticas. Era esse o trabalho que, torneando obstáculos sucessivos, procurava desenvolver em Portugal, um país que nas suas próprias palavras “não concretizou ainda sequer a sua política de cibersegurança” – ou seja, continua vulnerável a um hipotético ciberataque hostil à sua rede eléctrica, só para dar um exemplo.
A migração de Paulo Veríssimo, um dos grandes especialistas mundiais na área, não é notícia apenas pelo simbolismo de ver um professor prestigiado a seguir o mesmo caminho tantas vezes trilhado por compatriotas a quem faltaram oportunidades no país natal, nem apenas pela perda que o seu trabalho representa para Portugal. É-o também por ser consequência directa das opções tomadas pelo mesmo Governo de Lisboa que insta os jovens licenciados a abandonar o país. Agora, a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), nome pomposo da organização governamental para a área, impôs uma “avaliação” altamente duvidosa a todas as instituições científicas com o objectivo – nem sequer inconfessado… – de cortar metade delas, asfixiando-as financeiramente. A estratégia é apelidada pelos seus mentores de “uma poda”. Mas ninguém que perceba da poda vai alguma vez cortar de uma assentada metade do pomar, sobretudo baseando-se em critérios difusos e aleatórios, como é o caso. Esta machadada acontece precisamente na altura em que a ciência portuguesa estava a crescer, aproximando-se da média europeia. Agora, é dizimada pelos próprios dirigentes cuja primeira missão deveria ser a sua promoção; os países precisam de ciência e tecnologia para se desenvolverem, para evitarem a condenação a um papel periférico e um atraso atávico. Hotéis e praia não chegam para construir um futuro.
O centro de investigação a que presidia Paulo Veríssimo (Laboratório de Sistemas Informáticos de Grande Escala) foi uma das muitas que não passou à segunda fase da “avaliação” promovida pela FCT. Mesmo as que passem terão de disputar uma fatia do bolo total de financiamento de meros 6 milhões de euros – pouco mais do que a bolsa agora atribuída a Veríssimo e equipa pelos poderes públicos luxemburgueses, que é de 5 milhões… assim não admira que a “fuga de cérebros” continue em Portugal – só na última década, o país perdeu 7 mil recém-licenciados, sangria sem paralelo na Europa Ocidental, enquanto o Luxemburgo recebeu mais de 4 mil – um grande impacto positivo nesta pequena economia, cuja reconversão pós-praça financeira parece uma aposta séria. Afinal, a contratação de cérebros portugueses, de qualidade e bem-pagos, são boas notícias se vistas deste lado da Europa.

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