quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Tocar na placa


O que é viajar? Ou de outra forma, a partir de que momento a simples deslocação e presença em determinado local evolui para algo mais profundo? O que distingue, então, o viajante do vulgar turista?
Há um clube baseado em Los Angeles que não se preocupa excessivamente com estas questões filosóficas. O Clube dos Viajantes Centenários, criado em 1957, reúne aqueles que já visitaram 100 ou mais dos países e territórios em que a Humanidade dividiu o planeta Terra. Previsivelmente, no início o clube dispunha de um pequeno punhado de membros – pessoas com (muito) tempo e dinheiro para gastar nos primórdios da aviação comercial, em que os bilhetes de avião se compravam muitas vezes por carta e uma viajem intercontinental em classe económica custava facilmente 3000 euros. Hoje, os membros passam os dois milhares, e não será demais dizer que esta pequena elite coleciona lugares como quem amealha selos, trocando memórias e experiências por uma lista infindável de nomes. O acto de viajar, transformado aqui em desporto de alta competição. Mas quem merece a medalha de ouro?
O americano Charles Veley tem uma opinião forte sobre o assunto: esse homem é ele próprio. Veley praticamente não tinha saído dos Estados Unidos até há cinco anos, entretido com as suas semanas de 100 horas de trabalho que o tornaram um jovem milionário das indústrias digitais; ao descobrir essa forma de gastar o seu dinheiro, não mais parou – visitou os primeiros 100 países em três meses, outros 100 em mais alguns meses… hoje, aos 40 anos, Veley já esteve em 96% da lista “oficial” do clube (que inclui muito mais países que a ONU, na perspectiva de que quem visita os Açores não viu propriamente Portugal, e vice-versa): 834 locais. Tal custou-lhe problemas no casamento, facilmente compreensíveis recorrendo à matemática, dado que em cinco anos, isso dá uma média aproximada de apenas dois dias passados em cada país – e isto nem sequer tendo em conta o tempo de viagem e os períodos passados em casa. Ou seja, não há qualquer tempo para efectivamente conhecer o local, descobrir a sua história, as suas pessoas, o seu modo de vida, as suas vistas mais especiais; numa palavra, não dá para viajar, só para mover-se.
Um jovem milionário, sem restrições de orçamento (Veley já gastou mais de 1,5 milhões de euros no seu hobby, e 25 000 numa só viagem à Antártida), tem claras vantagens neste tipo de concurso, mas há um português a competir – Nuno Lobito, oficialmente a 8.º pessoa mais viajada da Terra, que já viu muito mais mundo do que Vasco da Gama, Cabral e Fernão de Magalhães combinados! Lobito é fotógrafo, um homem de olhar privilegiado, que tem interpretado o mundo através da sua objectiva. Uma forma mais tranquila de viver a sua dromomania – a necessidade obsessiva de viajar. E esta é uma condição mais frequente do que se imagina. No início do século XX, um grupo de psicólogos estudou as deambulações de Jesus pela Galileia e concluiu que Cristo foi o primeiro famoso dromómano.

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