O que é viajar? Ou de outra forma, a partir de que
momento a simples deslocação e presença em determinado local evolui para algo
mais profundo? O que distingue, então, o viajante do vulgar turista?
Há um clube baseado em Los Angeles que não se preocupa
excessivamente com estas questões filosóficas. O Clube dos Viajantes
Centenários, criado em 1957, reúne aqueles que já visitaram 100 ou mais dos
países e territórios em que a Humanidade dividiu o planeta Terra.
Previsivelmente, no início o clube dispunha de um pequeno punhado de membros –
pessoas com (muito) tempo e dinheiro para gastar nos primórdios da aviação
comercial, em que os bilhetes de avião se compravam muitas vezes por carta e
uma viajem intercontinental em classe económica custava facilmente 3000 euros.
Hoje, os membros passam os dois milhares, e não será demais dizer que esta
pequena elite coleciona lugares como quem amealha selos, trocando memórias e
experiências por uma lista infindável de nomes. O acto de viajar, transformado
aqui em desporto de alta competição. Mas quem merece a medalha de ouro?
O americano Charles Veley tem uma opinião forte sobre o
assunto: esse homem é ele próprio. Veley praticamente não tinha saído dos
Estados Unidos até há cinco anos, entretido com as suas semanas de 100 horas de
trabalho que o tornaram um jovem milionário das indústrias digitais; ao
descobrir essa forma de gastar o seu dinheiro, não mais parou – visitou os
primeiros 100 países em três meses, outros 100 em mais alguns meses… hoje, aos
40 anos, Veley já esteve em 96% da lista “oficial” do clube (que inclui muito
mais países que a ONU, na perspectiva de que quem visita os Açores não viu
propriamente Portugal, e vice-versa): 834 locais. Tal custou-lhe problemas no
casamento, facilmente compreensíveis recorrendo à matemática, dado que em cinco
anos, isso dá uma média aproximada de apenas dois dias passados em cada país –
e isto nem sequer tendo em conta o tempo de viagem e os períodos passados em
casa. Ou seja, não há qualquer tempo para efectivamente conhecer o local,
descobrir a sua história, as suas pessoas, o seu modo de vida, as suas vistas
mais especiais; numa palavra, não dá para viajar, só para mover-se.
Um jovem milionário, sem restrições de orçamento (Veley
já gastou mais de 1,5 milhões de euros no seu hobby, e 25 000 numa só viagem à Antártida), tem claras
vantagens neste tipo de concurso, mas há um português a competir – Nuno Lobito,
oficialmente a 8.º pessoa mais viajada da Terra, que já viu muito mais mundo do
que Vasco da Gama, Cabral e Fernão de Magalhães combinados! Lobito é fotógrafo,
um homem de olhar privilegiado, que tem interpretado o mundo através da sua
objectiva. Uma forma mais tranquila de viver a sua dromomania – a necessidade
obsessiva de viajar. E esta é uma condição mais frequente do que se imagina. No
início do século XX, um grupo de psicólogos estudou as deambulações de Jesus
pela Galileia e concluiu que Cristo foi o primeiro famoso dromómano.
Sem comentários:
Enviar um comentário