quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Seis anos


Lembra-se da crise? Claro que sim, ela não deixa passar muito tempo sem nos enviar um lembrete. Começou há uma eternidade e nem nos abandonou nem parece a caminho de o fazer; pelo contrário, os indicadores económicos estão a voltar a semear o temor pelas empresas e bolsas. É preciso ser muito claro: este estado miserável da economia europeia, seis anos volvidos, é causado pelas opções suicidárias que tomámos.

Ainda há poucos meses os sicários da austeridade – os mesmos que monopolizam vários governos, ditam a política económica e ocupam posições-chave entre os fazedores de opinião para melhor a publicitar – cantavam vitória por melhorias decimais de um ou outro indicador. O PIB da Irlanda deixou de cair, o desemprego em Portugal já não cresce tanto. A periferia europeia conseguiu voltar aos mercados e as taxas de juros dos empréstimos caíram a pique, tudo devido a quatro palavras proferidas pelo presidente do BCE: o euro será defendido “custe o que custar” – e os mercados acalmaram, percebendo que Portugal, Espanha, Itália não iriam à bancarrota pois não teriam falta de liquidez.

Mas os desequilíbrios continuam lá. E em vez de os corrigir, seis anos depois, continuamos a prolongar a agonia económica com os mesmos erros cometidos pelo Japão, ao longo das suas “duas décadas perdidas” (que ainda não terminaram), ou pelos EUA durante a Grande Depressão. Há anos, escrevi aqui nesta mesma coluna que vivíamos como que “presos no ano infindável de 1931”. O mais extraordinário é que os anos passam, continuamos sem ver a luz ao fundo do túnel – pelo contrário, o túnel parece agora voltar a escurecer – e ninguém se revolta, nem aprendemos nada. 


Em 1931 essa revolta aconteceu. Quem estava a dirigir a economia americana para o abismo perdeu as eleições, e Roosevelt tornou-se presidente para aplicar um programa que era em certo sentido o oposto da cura austeritária: enorme investimento público, expansão salarial, descida das taxas de juro. Quatro anos mais tarde, o desemprego tinha descido de 25% para 14%; se o mesmo fosse obtido hoje, poderíamos chegar a uma situação de pleno emprego…
Roosevelt, que passou as últimas décadas da sua vida numa cadeira de rodas devido à poliomielite, foi um político tão excepcional como irrepetível. Agora, temos como condutor o ministro das Finanças alemão, Schäuble (numa coincidência macabra, também ele preso a uma cadeira de rodas). E ainda anteontem o contabilista de Merkel repetiu a sua narrativa, atribuindo (erradamente, como hoje sabemos) a culpa à irresponsabilidade fiscal dos países do Sul; ou seja, seis anos depois, as nossas perspectivas são as de persistir no autismo, em vez de procurar a solução.

Entretanto, a economia europeia está perigosamente perto da deflação – as dívidas dos Estados e das pessoas tornam-se assim impossíveis de pagar. E continuamos a cortar salários e agravar o desemprego, agravando o problema. A única boa notícia é que a Alemanha está a semear o que colheu, e também já não está a crescer – é muito difícil exportar quando há cada vez menos compradores… Quando começar a tocar-lhe onde dói mais, a Alemanha também escolherá o seu próprio Roosevelt. Mas há ainda outro cenário possível: o aparecimento de um novo chanceler mais parecido com o eleito naquele país em 1933.

Sem comentários:

Enviar um comentário