quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Não assinem o TTIP


Um dos problemas da Europa é o de ser governada por pessoas que não gostam da Europa. Ninguém tem dúvidas sobre onde está a lealdade da administração americana, por exemplo – ali, a narrativa nacionalista é construída desde muito cedo. Mas os europeus privilegiam identidades mais reduzidas e não se veem muitas vezes a si próprios como tal. Mesmo quando isso acontece, raramente é com o orgulho devido.
Um bom exemplo aconteceu recentemente na Ryder Cup. Esta competição de golfe é especial por várias razões: é disputada por “selecções”, e apesar de atrair um enorme interesse a nível global – movimentando milhões em patrocínios e contratos televisivos –, os golfistas competem pelo prestígio da equipa e não recebem prémios monetários. Além disso, e não é proeza pequena, esta é a única competição de qualquer desporto que apresenta uma equipa que compete sob a belíssima bandeira da UE, estrelas de ouro sobre fundo azul. Ou seja, os jogadores competem sobretudo pelo orgulho, e até anti-europeus notórios como o infame Nigel Farage podem ser vistos a torcer pela equipa da Europa unida.
Parece a perfeita oportunidade para uma grande dose de boa e velha propaganda europeia, certo? Errado. A competição durou uma semana e atraiu a Perth, Escócia, milhares de turistas e um batalhão de repórteres; conscientes do facto, os EUA trouxeram consigo embaixadores e um stand promocional, como se de uma feira económica se tratasse. A UE também montou um, mas em vez de “vender” a Europa este limitava-se a pedir aos americanos a assinatura do acordo de livre comércio connosco. Ninguém estava interessado, naturalmente. Mais uma oportunidade de conquistar corações perdida, e pior, tudo em nome de um mau motivo.
O Acordo Transatlântico de Livre Comércio (TTIP, na sigla inglesa) é um documento poderosíssimo que está a ser negociado sob alto sigilo entre meia dúzia de burocratas europeus e americanos. O sigilo é necessário porque em sociedades democráticas como (nominalmente) ainda é a nossa, os cidadãos nunca aceitariam, se o conhecessem, o que está a ser cozinhado por trás de portas bem fechadas. Estes acordos não são senão uma forma de contornar – sobrepondo-se a elas – as nossas leis e regulamentações de forma a tornar-nos completamente vulneráveis aos grandes interesses empresariais que enfermam mais de 90% das disposições do documento.
De um só golpe, e com o público completamente distraído com o último filme, o último casamento ou a última guerra, os Estados Unidos vão finalmente conseguir eliminar todas aquelas irritantes barreiras de protecção sanitária ou ambiental que os europeus insistem em ter contra os bifes industriais, os vegetais organicamente modificados ou a produção de gás natural através da injecção de químicos nos solos. Quaisquer leis que ainda nos separem do vale tudo serão invalidadas, em nome do “livre comércio”, por tribunais especiais criados para o efeito e onde os “investidores” (leia-se, as corporações) terão todos os poderes para processar os Estados soberanos, ou seja, os cidadãos.
Só que desta vez nem todos os europeus estão a dormir. Há muitos que, já este sábado dia 11, por todo o continente (também no Luxemburgo, em Bruxelas ou Lisboa), vão descer à rua da grande cidade para se manifestar contra este assalto brutal às nossas democracias. Eu serei certamente um deles.

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