Bósnia, 1914. Há exactamente cem anos, o arquiduque
Francisco Fernando parte com a sua mulher (naquele que era um raríssimo
casamento por amor entre as cabeças coroadas da Europa) de Viena até Sarajevo
para visitar os novos domínios da monarquia austro-húngara. Uma inacreditável
incompetência norteou toda a organização do evento: o dia escolhido (28 de
junho, dia da mítica batalha dos campos do Kosovo) iria forçosamente provocar
os conspiradores radicais sérvios; o cortejo do arquiduque seguia um trajecto
perfeitamente previsível e sem segurança ao longo do rio, num carro aberto e
sem guardas (que ficaram apeados por engano na estação); mais extraordinário
ainda, durante o trajecto de ida um dos assassinos conseguiu lançar uma granada
que falhou o alvo principal por centímetros e feriu vários dos acompanhantes. E
no entanto o programa da visita continuou inalterado! Por fim, depois de um
banal discurso do presidente da Câmara tornado surreal pelo atentado que tinha
acabado de ocorrer, o casal real decidiu-se a cancelar o passeio e voltar para
o hotel – mas ninguém avisou da alteração o motorista. Este retoma o percurso
original e pára o carro mesmo em frente a Gavrilo Princip, o jovem anémico que
saca do revólver e disfere dois tiros fatais.
O trágico desfecho do passeio a Sarajevo foi muito mais
que o assassinato brutal de um casal de monárquicos; como sabemos, constituiu
também o detonador para a grande catástrofe europeia do século XX, a I Grande
Guerra. O choque do crime pôs em marcha as rodas dentadas da máquina da morte.
Volvido um mês, a Áustria apresentou um ultimato à Sérvia (instigadora do
crime), com esperança que a Rússia não estivesse preparada para responder e
intervir em auxílio dos seus “irmãos mais novos”. Mas foi exactamente isso que
a Rússia fez, o que levou a Alemanha a acorrer em ajuda ao seu aliado austríaco
– precisamente o que a França queria: envolver a Alemanha numa teia bélica
fatal com a ajuda da Inglaterra. Todos os intervenientes foram subindo as
apostas, mecanicamente, irresponsavelmente, em bluffs crescentes, confiantes que mais cedo ou mais tarde os
adversários acabariam por recuar perante a possibilidade de destruição
generalizada do continente que liderava então, claramente, o mundo. Foi a
partida de póquer mais mortífera da História.
E a História, já se sabe, repete-se sempre – só que da
segunda vez como farsa. Ou como escreveu Lord Byron, “a História, com todos os
seus volumes, na verdade só tem uma página”. Precisamente um século depois, uma
partida de póquer semelhante desenrola-se num Estado eslavo do sul – a Ucrânia
–, há um temor justificado pela imprevisibilidade da Rússia, e há em toda a
Europa uma capacidade impressionante de armamento à espera de ser usado. E até
o Papa fala na possibilidade de uma terceira guerra mundial…
Os tempos são outros. Aprendemos com os nossos
erros, construímos uma União Europeia que já nos garantiu 60 anos de paz. Mas
as nuvens adensam-se.
Sem comentários:
Enviar um comentário