“Ninguém está mais desesperadamente escravizado
que aqueles que erradamente acreditam serem livres”. A frase é de Goethe – o
maior escritor de sempre em língua alemã, com licença de Zweig e Kafka – logo,
tem mais de dois séculos. Mas nunca foi tão útil como agora.
Apesar de preenchermos discursos e filmes com
grandiosas palavras como “liberdade” e “democracia”, a verdade pura e dura é
que ambos os conceitos são cada vez mais relativos, para não dizer
falsificados. São numerosos os pensadores que consideram as nossas sociedades como
pós-democráticas (uma ideia que será objecto de outro artigo neste espaço);
quanto à “liberdade”, sabemos hoje (sem querer sabê-lo) que somos vigiados,
escutados e controlados, que as nossas opiniões são formatadas pelos media de massas, e que qualquer decisão
que tomemos esbarra rapidamente na asfixiante colecção de regras e limitações que
construímos ao longo dos tempos. Liberdade?
A frase de Goethe foi largamente utilizada
durante os protestos “Occupy Wall Street” que procuraram, sem sucesso,
recuperar pelo menos parte do poder público irremediavelmente escapado para
algumas, muito poucas, mãos privadas. Mas essas mesmas manifestações
descobriram, da forma mais dura, uma nova forma de cercear liberdades: a
privatização do espaço urbano. A reunião de Londres, por exemplo, foi
programada para acontecer em frente à Bolsa de Valores, na praça Paternoster.
Acontece que essa praça, tal como quase todos os grandes espaços públicos na
City de Londres, tem um dono – neste caso a Mitsubishi Corporation – que
imediatamente conseguiu uma ordem judicial de expulsão da multidão.
O conceito de “Pops” – da sigla em inglês para
“espaço público de propriedade privada” – foi definido do outro lado do
Atlântico, e só em Nova York já há 503 praças, galerias ou parques assim
definidos, com acesso restrito e controlado, apesar de aparentemente – e
parcialmente pagos com dinheiros – públicos. Mas estes locais não são uma
invenção americana, e é nos países onde as desigualdades são mais gritantes e a
sociedade mais segregada que eles florescem, por exemplo nas monarquias do
Golfo, na América Latina, na África do Sul ou na Índia – este último país está
a construir uma cidade completamente privada, Lavasa, com um “administrador” não
eleito em vez de um alcaide, e a um altíssimo custo ecológico.
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