terça-feira, 5 de maio de 2015

Libertem o meu telefone


Se o caro leitor tiver a perigosa ideia de entrar no território suíço para, por exemplo, passar um dia a esquiar, não é apenas o selo automóvel para todo o ano que terá de adquirir; é bem provável que também o seu telefone lhe transmita uma simpática mensagem do operador informando-o de que, por exemplo, um MB de dados lhe custará agora 15 euros. O que significa que ver um email de trabalho que contenha um documento .pdf, mais um saltinho ao facebook, pode rapidamente significar uma conta de 100 euros ou mais.

O caso acima é um exemplo extremo, se bem que real, dos efeitos diabólicos da itinerância móvel, vulgo roaming. E foi graças a surpresas chocantes com contas telefónicas após as férias de verão das suas filhas que Viviane Reding, então comissária das telecomunicações, começou a usar a iniciativa legislativa europeia para quebrar o cartel obsceno das telefónicas; primeiro convidando-as a auto-regularem-se (convite completamente ignorado, evidentemente), depois estabelecendo limites a cada ano mais baixos para os preços aceitáveis no roaming.

As gigantes rodas dentadas da política europeia continuaram a mover-se na mesma direcção, e em Outubro de 2013, os Estados-membros reunidos no Conselho aprovaram, com pompa, circunstância e urgência, o mercado único europeu das telecomunicações, para logo em seguida o Parlamento Europeu, antes das eleições de Maio passado, definir uma data para o fim absoluto do roaming: 15 de Dezembro de 2015. Faltam 9 meses.

Mas este bebé está em risco de não nascer, porque os mesmos governos europeus que há pouco mais de ano aprovaram um grandiloquente texto chamado “mercado único das telecomunicações” resolveram mais uma vez mostrar a quem devem verdadeira fidelidade: não aos cidadãos que os elegem, mas sim às grandes corporações que os financiam. E assim, o fim do roaming foi enviado pelo Conselho para as calendas gregas: o único compromisso é agora o de “rever a situação lá pelo ano de 2018”.

Ainda não foi dita a última palavra sobre o caso, porque os deputados europeus (e entre eles, de novo Reding) estão furiosos e vão insistir na sua posição original. Os lucros extraordinários obtidos pelas Vodafones deste mundo baseando-se em fronteiras que já não existem e alegando custos que nunca existiram não são defensáveis. Mas a luta das operadoras não é pelos milhares de euros do roaming; é pelos milhões do status quo, é por evitar a verdadeira concorrência que um mercado único europeu traria, obrigando as empresas a competir num grande relvado nivelado em vez de confortavelmente instaladas dentro dos seus cartelizados quintais nacionais. Exemplo: se eu pudesse escolher a melhor e mais barata operadora europeia sem ser penalizado fortemente ao atravessar uma fronteira, nunca seria cliente das exorbitantes operadoras do Benelux (Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos são os três países mais caros da Europa para se falar ao telefone); compraria o meu cartão SIM na Lituânia ou na Roménia, onde as chamadas são em média 77% mais baratas (e as redes são de melhor qualidade), e usufruiria de um verdadeiro mercado europeu como é tantas vezes propagandeado – mas nunca existe.

Já está teorizado, já há legislação, só falta concretizarem-no: libertem o meu telefone!

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