Se o
caro leitor tiver a perigosa ideia de entrar no território suíço para, por
exemplo, passar um dia a esquiar, não é apenas o selo automóvel para todo o ano
que terá de adquirir; é bem provável que também o seu telefone lhe transmita
uma simpática mensagem do operador informando-o de que, por exemplo, um MB de
dados lhe custará agora 15 euros. O que significa que ver um email de trabalho
que contenha um documento .pdf, mais um saltinho ao facebook, pode rapidamente significar
uma conta de 100 euros ou mais.
O
caso acima é um exemplo extremo, se bem que real, dos efeitos diabólicos da
itinerância móvel, vulgo roaming. E
foi graças a surpresas chocantes com contas telefónicas após as férias de verão
das suas filhas que Viviane Reding, então comissária das telecomunicações,
começou a usar a iniciativa legislativa europeia para quebrar o cartel obsceno
das telefónicas; primeiro convidando-as a auto-regularem-se (convite
completamente ignorado, evidentemente), depois estabelecendo limites a cada ano
mais baixos para os preços aceitáveis no roaming.
As
gigantes rodas dentadas da política europeia continuaram a mover-se na mesma
direcção, e em Outubro de 2013, os Estados-membros reunidos no Conselho
aprovaram, com pompa, circunstância e urgência, o mercado único europeu das
telecomunicações, para logo em seguida o Parlamento Europeu, antes das eleições
de Maio passado, definir uma data para o fim absoluto do roaming: 15 de Dezembro de 2015. Faltam 9 meses.
Mas
este bebé está em risco de não nascer, porque os mesmos governos europeus que
há pouco mais de ano aprovaram um grandiloquente texto chamado “mercado único
das telecomunicações” resolveram mais uma vez mostrar a quem devem verdadeira
fidelidade: não aos cidadãos que os elegem, mas sim às grandes corporações que
os financiam. E assim, o fim do roaming
foi enviado pelo Conselho para as calendas gregas: o único compromisso é agora
o de “rever a situação lá pelo ano de 2018”.
Ainda
não foi dita a última palavra sobre o caso, porque os deputados europeus (e
entre eles, de novo Reding) estão furiosos e vão insistir na sua posição
original. Os lucros extraordinários obtidos pelas Vodafones deste mundo
baseando-se em fronteiras que já não existem e alegando custos que nunca
existiram não são defensáveis. Mas a luta das operadoras não é pelos milhares
de euros do roaming; é pelos milhões
do status quo, é por evitar a verdadeira concorrência que um mercado único
europeu traria, obrigando as empresas a competir num grande relvado nivelado em
vez de confortavelmente instaladas dentro dos seus cartelizados quintais
nacionais. Exemplo: se eu pudesse escolher a melhor e mais barata operadora
europeia sem ser penalizado fortemente ao atravessar uma fronteira, nunca seria
cliente das exorbitantes operadoras do Benelux (Bélgica, Luxemburgo e Países
Baixos são os três países mais caros da Europa para se falar ao telefone);
compraria o meu cartão SIM na Lituânia ou na Roménia, onde as chamadas são em
média 77% mais baratas (e as redes são de melhor qualidade), e usufruiria de um
verdadeiro mercado europeu como é tantas vezes propagandeado – mas nunca
existe.
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