terça-feira, 5 de maio de 2015

Caros gregos: signomi

Sexta-feira passada foi dia de duelo ao anoitecer. Schäuble e Varoufakis encontraram-se frente a frente numa rua poeirenta de Bruxelas e os seus olhares impiedosos cruzaram-se num frémito de desprezo. O ministro das Finanças alemão sentado na sua carreira de rodas, e o ministro das Finanças grego dentro do seu blusão de cabedal à motoqueiro, fizeram uma pausa antes de disparar. Algures ouviu-se uma harmónica.

E então, dentro do Conselho Europeu extraordinário, começou o duelo, ou seja a negociação. O novo governo grego entrou nesta com uma corda ao pescoço, pois só tinha financiamento para as suas dívidas até dia 28 de Fevereiro. A sua pretensão era a obtenção de uma linha de crédito que permitisse ao país ir respirando até ao verão, mas sem que esse dinheiro viesse condicionado às irresponsáveis exigências da troika. Não era essa a única reivindicação do pistoleiro Varoufakis, claro; digamos que a Grécia entrou no duelo exigindo 20. E a Alemanh… perdão, a Europa respondia que estava disposta a conceder zero.

No final a Grécia obteve 2; ou seja uma possibilidade de reduzir ligeiramente o excedente orçamental exigido (ainda assim fixado nuns totalmente utópicos 4,5% antes do pagamento de juros da dívida, isto já para 2016); e quatro meses de prolongamento do programa de empréstimos vigiado pela troika. Esta última palavra desaparece, mas trata-se apenas de uma questão semântica – o BCE, a Comissão Europeia e o FMI continuarão a vigiar de perto, assegurando que as medidas de austeridade não abrandem, antes pelo contrário.

Não era esse o mandato do Syriza, reverter as políticas autoderrotistas e virar a agulha para o crescimento? Claro, e nesse aspecto o acordo atingido na sexta-feira constitui para eles (e nós) uma derrota em toda a linha – o que já está a provocar contestação no próprio governo grego, que será obrigado a impor medidas em tudo semelhantes às dos seus antecessores. O primeiro-ministro pode sempre alegar que obter “2” é sempre melhor que obter “0”, e talvez mais importante ainda é o facto de existirem aqui outras vitórias mais intangíveis – a capacidade de um país humilhado se levantar e voltar a discutir olhos nos olhos, ao mais alto nível (e não apenas com burocratas não eleitos), uma solução alternativa que sirva a todos os europeus e não passe simplesmente pela lenta agonia sem fim imposta pela Alemanha.

Essas ideias não passaram. O choque com a realidade revelou-se muito forte, e o senhor Schäuble venceu o primeiro duelo. Para isso ajudou contar com todo um arsenal, mas também com dedicados acólitos (no fundo todos os restantes ministros da zona euro mais o inefável Dijsselbloem) e dois políticos travestidos de abutres: os dois ministros das Finanças ibéricos, com o espanhol a gritar “mata!” e a portuguesa “esfola!”. Apesar destes dois países serem precisamente aqueles que mais teriam a ganhar com uma mudança das políticas que os empobreceram, os seus governos de direita estão tão assustados com um possível sucesso do novo governo grego e do contágio que isso provocaria nos seus países que decidiram borrifar-se para o interesse nacional e aparecer ao mundo como “mais alemães que os próprios alemães”. A sua oposição a qualquer alívio para a Grécia foi encarniçada e a ministra portuguesa até viajou de antemão a Berlim para pedir “pessoalmente” a Schäuble que não “cedesse”.


No meio da cegueira e da estupidez políticas, a ministra acertou: a sua posição é apenas pessoal. Estes governantes cínicos e destrutivos não me representam, nem a Portugal, muito menos à Europa. Por eles vejo-me obrigado a dizer aos gregos: signomi (desculpem).

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