terça-feira, 5 de maio de 2015

O outro 25 de Abril


O passado sábado foi Dia da Liberdade. Em Portugal passaram 41 anos desde aquela épica madrugada de “E depois do adeus” e “Grândola Vila Morena”, desde os tanques no Largo do Carmo, desde aquela imensa alegria de um país finalmente libertado após quase meio século de fascismo. Foram 41 anos de evolução rápida no meio de alguns retrocessos como o actual – e é altamente simbólico ler a filha de Salgueiro Maia, emigrada no Luxemburgo, dizer “o meu pai deve estar a dar voltinhas no caixão”, como é preocupante ler o pacto de regime entre PS, PSD e CDS para amordaçar os media do país durante a sua cobertura da campanha, numa reedição moderna da comissão de censura prévia. Mas apesar dos escolhos no caminho, aquele dia de Primavera em 1974 foi, e sempre será, a origem de tudo.

A Itália comemora a mesma data como Dia da Libertação; foi há exactamente 70 anos, no final da II Guerra, que uma outra comunicação radiofónica anunciou o fim do fascismo e o renascimento de uma nova Itália. Mussolini seria fuzilado três dias depois.

Este ano, no entanto, uma outra efeméride histórica ultrapassa em significado e simbolismo aquelas duas, pois foi a 25 de Abril de 1915 – precisamente há um século atrás – que se deu o desembarque de Gallipoli, onde dois países tiveram o seu “baptismo de fogo” e tantos homens encontraram uma morte duríssima e absurda. A Austrália e a Nova Zelândia tinham acabado de ganhar o direito à autodeterminação, mas ainda faziam parte de um Império Britânico envolvido numa guerra brutal contra a Alemanha e os seus aliados com capital na mítica Constantinopla.

Conquistar Constantinopla a uns otomanos enfraquecidos e desmoralizados não seria difícil, pensava o exército britânico com a sua costumeira arrogância. Foram feitas incursões navais para controlar os estreitos (Bósforo e Dardanelos), e ultimados os planos para uma invasão terrestre, iniciada num desembarque maciço, para o qual restava escolher os pontos mais adequados; essa escolha recaiu em dois sectores da quase deserta península de Gallipoli. Um deles foi reservado para o Anzac – o corpo do exército constituído exclusivamente por soldados voluntários vindos do outro lado do mundo, na Oceânia.

Na madrugada do dia 25, os Anzacs desembarcaram no que é hoje conhecido oficialmente como “a enseada Anzac” – e que consiste numa estreitíssima língua de areia e pedras. O objectivo era chegar rapidamente aos pontos elevados do terreno e conquistar as poucas aldeias do território, abrindo caminho até à capital. Mas a prainha está rodeada por uma falésia, no cimo da qual estavam os canhões turcos prevenidos quanto a uma possível invasão. Foi uma carnificina absurda. Muitos soldados nunca chegaram a sair dos barcos; ao final do dia, os sobreviventes tinham conseguido amontoar-se ao longo da areia, entre centenas de cadáveres, completamente vulneráveis ao fogo inimigo no topo da falésia. O comandante australiano requereu a retirada imediata, alegando a condição dizimada do regimento; o general inglês respondeu-lhe “escavem, entrincheirem-se, aguentem-se” – não eram uns milhares de tipos vindos dos antípodas para morrer ali, naquele fim do mundo turco, que lhe iriam fazer perder o sono e o prestígio.

A invasão arrastou-se por 9 meses, sem qualquer progressão dos Aliados, encurralados, doentes e mortos em terras de ninguém, arrastados para longe de casa sem compreender porquê ou para quê. No total, mais de 110 mil mortos e quase 400 mil feridos em vão, vítimas da incompetência e arrogância das hierarquias militares, habituados então a enviar jovens homens para a morte enquanto beberricavam o chá.

Gallipoli, palco de emocionante missa no sábado com os PM australiano e neo-zelândes, tornou-se símbolo da vergonha da guerra. Mas estes homens do século passado lutaram por nós, deram a vida pela nossa liberdade. Merecem toda a nossa gratidão e respeito.

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