Na
base da estátua da Liberdade, em Nova York, há uma placa de bronze onde está
inscrito um poema muito conhecido do outro lado do Atlântico. A sua autora é
Emma Lazarus, uma judia sefardita do fim do século XIX cujos antecedentes
estavam em Portugal, e o poema versa sobre os imigrantes, sobretudo europeus,
que chegavam então em hordas aos Estados Unidos – de barco, naturalmente. Uma
tradução livre do segundo soneto poderia ser algo como
“Dêem-me os vossos exaustos,
os vossos pobres
As vossas massas encurraladas
ansiosas por respirar em liberdade
O miserável refugo das vossas
costas apinhadas de gente
A estes sem-abrigo, aos
sacudidos pelas tempestades, enviem-nos a mim
Eu levanto a minha tocha ao
lado dos portões dourados”.
Os EUA são um país construído
por imigrantes, e durante muitas fases da sua história encorajaram a sua vinda
(em vez das “massas encurraladas” sempre procuraram ser, isso sim, altamente
selectivos). Isso mudou: as pressões migratórias nas últimas décadas
tornaram-se tão fortes que o país construiu um muro. Um muro, por vezes uma
cerca, que cobre mais de 1000 km da fronteira com o México – e que divide
populações índias, barra animais de chegarem aos seus habitats, destrói
ecossistemas, e nem sequer é eficaz no seu objectivo (deter as migrações
ilegais), sendo ainda por cima muito caro para os contribuintes. Mas continua
lá, e os migrantes mexicanos continuam a morrer à sua sombra.
A Europa não tem um muro: tem
um mar. Os sem-abrigo sacudidos pelas tempestades, pelas ondas, apinham-se nas
costas da Líbia ansiosos pela oportunidade de, sendo extorquidos, poderem ainda
assim apanhar um cargueiro, um pesqueiro, qualquer coisa que flutue e que os
aproxime do Eldorado europeu – mesmo que este seja uma miragem, será sempre bem
melhor do que as zonas de guerra ou fome de que estes africanos provêm.
Por outras palavras, elas
continuarão a vir, essas massas ansiosas pela liberdade. Sem descanso. Só em
2014, foram 215 000 pessoas a atravessar o “nosso mar”. Temos de trabalhar
para melhorar as suas sociedades de origem, minorando a guerra (ou pelo menos
não a acelerando, como na Líbia), não apoiando ditadores corruptos, promovendo
o crescimento económico; só que isso leva muito tempo. Neste momento, é necessário
voltar a fazer o que a Itália fazia até ao outono passado, patrulhando o
Mediterrâneo com muitos meios navais e aéreos numa missão humanitária e militar
– a Mare Nostrum.
Para se manter no terreno, a
missão custava 9 milhões de euros por mês – uma gota de água para a Europa, mas
demasiado para os depauperados cofres italianos. Roma pediu ajuda, alegando que
o problema das migrações é comum e não apenas seu; 24 dos 28 países europeus
(todos os outros menos Grécia, Malta e Chipre) responderam que não, não
contribuiriam, acrescentando que isso de ajudar náufragos pobres só os incentivava
a continuar a tentar, logo o melhor seria abandoná-los, a eles e ao
Mediterrâneo, à sua sorte.
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