terça-feira, 5 de maio de 2015

Eu, robot


Angela Merkel, a imperatriz da Europa, está em visita oficial ao Japão e um dos primeiros eventos da sua agenda foi o de conhecer “Asimo” – o robot humanóide desenvolvido pela Honda que tem servido de embaixador da tecnologia nipónica. Em Abril passado, por exemplo, o robot jogou um pouco de futebol com um divertido Obama, mas a entrevista com Merkel não correu tão bem: a crispação de parte a parte era evidente, e a chanceler alemã ainda fez menos movimentos que o robot. Este, quando voltou a receber a bola de futebol, chutou-a com força para longe em vez de a passar à representante do país campeão do mundo. No momento das despedidas a tensão tornou-se quase insuportável: Asimo, imóvel, recusou-se a apertar a mão a Merkel, que acabou por ter de se contentar em dar-lhe um toque desajeitado no ombro; mal a senhora virou costas, o andróide desatou a acenar efusivamente, num adeusinho zombeteiro.


Estou maravilhado com a humanidade de Asimo. A pouca consideração política que ele demonstra pela chanceler advém certamente da política económica autista que ela imprimiu, imprime e imprimirá à Europa; uma política que tem como um dos seus efeitos mais perigosos procurar reduzir o Banco Central Europeu a mero polícia da “estabilidade de preços”, procurando conter a inflação e restringir o consumo através da redução de massa monetária em circulação (por exemplo mantendo as taxas de juro mais altas do que elas deveriam estar, e por demasiado tempo assim). O resultado é temível: a Europa está perto de cair na armadilha da deflação. Quedas nos preços dos bens e serviços levam à descida da produção e do investimento, que por sua vez levam à queda nos salários e na procura, fechando o círculo com novas quedas dos preços e assim por diante; enquanto isso, as dívidas – o grande fantasma da economia europeia – tornam-se cada vez mais difíceis de pagar, porque aumentam em termos reais.

Asimo, o robot, sabe do que fala. O Japão ainda não saiu completamente das suas duas “décadas perdidas” depois de ter caído em deflação no início dos anos 90. Nessa altura, foram vários os factores a contribuir para a crise: política monetária restritiva; preços do imobiliário em queda depois de uma bolha; bancos insolventes e pânico em relação à possibilidade de mais bancos estarem insolventes; deflação importada através de matérias-primas e bens de consumo baratos vindos de países com baixos salários, como a China; e uma população a envelhecer devido a taxas de fertilidade historicamente baixas. Sim, tudo isto soa assustadoramente familiar para um europeu. E já caminhamos a passos largos para a nossa primeira década perdida.

Tinha alguma esperança que a visita da chanceler alemã ao Japão servisse para aquela aprender com erros alheios, de forma a não os repetir; algo essencial na actual conjuntura. Mas o discurso de Merkel foi virado para o passado, com a intenção de ensinar ao primeiro-ministro Shinzo Abe a melhor forma de lidar com a efeméride dos 70 anos do final da II Guerra (e da derrota de ambos os países).

Compreende-se que o robot tenha boicotado o aperto de mão; ele está mais preocupado com o presente e o futuro. E diga-se, com razões para isso.

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