"O que há de mais escandaloso nos escândalos é que
nos habituamos a eles". A citação de Simone de Beauvoir dificilmente
poderia ser mais adequada a Portugal, um local especial onde os cidadãos se
indignam temporariamente para, acto contínuo, encolher os ombros e seguir a sua
vida, resignados perante mais um atentado ao sem bem-estar ou a sua bolsa.
Habitualmente é assim, mas algo mudou na segunda-feira à noite, quando um
tribunal decretou a prisão de José Sócrates.
De repente, e de um só golpe, a República Portuguesa
parece ter mudado o seu paradigma. De um Estado permeável a todos os
interesses, onde reina uma cultura de irresponsabilidade e impunidade, com uma
Justiça que é fraca com os fortes e forte com os fracos, Portugal aparece do
dia para a noite como uma referência (por exemplo para Espanha, onde a família
real continua intocável) onde ninguém, nem mesmo os mais poderosos, estão acima
da lei ou da possibilidade de serem postos atrás das grades.

Este espectáculo pouco dignificante de escândalos
consecutivos é algo fora do comum, extraordinário; pode significar uma
verdadeira implosão do regime vigente em Portugal, ou pode simplesmente ser uma
fase passageira onde o vazio deixado pelos personagens visados é ocupado por
novos corruptos e corruptores, e a vida continuará lenta como antes. Dado que
ainda estamos no turbilhão do momento é demasiado cedo para avaliar todo o
significado, e continua a ser perfeitamente possível – pois "o povo é
sereno" – que as consequências a longo prazo sejam pequenas. Mas também é
possível que as previsões tantas vezes feitas anteriormente por comentaristas
mais entusiasmados se tornem finalmente verdade e estejamos a assistir ao fim
da III República Portuguesa, que será substituída por...? (inserir desejo apropriado).
Uma possibilidade é uma reedição do que
aconteceu em Itália nos anos 1990, onde a operação “Mãos Limpas” foi
desencadeada pelos juízes perante uma população amorfa, descrente e incapaz de,
por si só, alterar o pântano em que o país tinha caído. O terramoto que se
seguiu (6059 investigados e 2993 condenados, incluindo 872 empresários, 438
deputados e quatro ex-primeiro-ministros) arrasou com a I República Italiana e
com ela todos os partidos “do arco da governação”, dos socialistas à
democracia-cristã, todos eles inquinados de corrupção. Talvez esteja aqui um
guião para os próximos tempos em Portugal.