terça-feira, 13 de maio de 2014

Bomba F cai sobre a Europa

Um fim-de-semana, duas bofetadas na cara: é esse o rico balanço que a Europa pode fazer. A Europa são 500 milhões de almas, somos nós; acho que posso falar por todos quando digo que não apreciamos levar bofetadas na cara.

A segunda delas aconteceu já no sábado e é quase burlesca: após ter negociado vários acordos de associação que equivalem a ser um quase-membro da UE, dando-lhe acesso a um mercado continental rico e vasto, para além de liberdade de circulação para os seus nacionais, a Suíça resolveu brincar com o fogo e referendar aquilo que, na prática, equivale ao fecho das suas fronteiras (a não ser, claro, no caso de turistas europeus quererem
ir lá deixar uma boa parte do seu dinheiro a esquiar ou comprar relógios – isso continuará encorajado). A mensagem suíça é simples: queremos (continuar a) explorar a Europa, mas não queremos que venham mais europeus (e nomeadamente portugueses) servir às nossas mesas. Preferimos guardar o dinheiro para nós.

Mas a primeira bofetada, embora menos abrangente, até doeu muito mais. Na sexta-feira, veio à superfície uma conversa telefónica gravada (e muito bem gravada – que irónico é que os os Estados Unidos, que tudo espiam sobre todos, provem por uma vez do seu próprio veneno) em que uma funcionária americana de topo, Victoria Nuland, fala ao telefone com o seu embaixador na Ucrânia sobre a continuada crise daquele país dilacerado entre as atracções pela Rússia e pela Europa. Depois de gastar a sua lírica a elogiar a ideia de envolver as Nações Unidas (segunda boa ironia – depois de torpedear a ONU durante toda a existência desta, inclusive não pagando as suas quotas de membro, os EUA descobriram que a ONU existe) como mediador entre o presidente e os manifestantes ucranianos, a sra. Nuland revela brutalmente a verdadeira motivação por trás da sua estratégia: “que se foda a Europa!”. O embaixador americano não é pago para contrariar a chefe: “Exactamente!”, responde.

Ajuda saber que Nuland é casada com Robert Kagan, talvez o maior ideólogo neoconservador – o ideólogo da “América por cima de todos” e da invasão desastrosa ao Iraque. E logo a formidável máquina de propaganda americana entrou imediatamente em campo para limitar os danos da bomba expletiva. Nestes dias que se seguiram, quase não foi possível ler outra coisa senão “analistas” – sempre americanos ou britânicos – que passam uns paninhos quentes, argumentam “ah não foi nada de especial, só um desabafo de frustração” e chegam mesmo ao desplante de dizer “muitos europeus até concordam, já que também não querem uma UE imóvel”.

Sobre a nossa justa indignação, nada. É verdade que nem assim os actuais líderes europeus foram capazes de um assomo de dignidade e respeito; a maior visada, Catherine Ashton, a inexistente líder da diplomacia europeia, continua ainda hoje a assobiar para o ar. Apenas quem a foi desencantar, a sra. Merkel, foi capaz de dizer um tímido “é inaceitável”. Patético, na melhor das hipóteses. E no entanto...

As verdadeiras razões para esta atitude dos EUA encontram-se no valor da Ucrânia como país – altíssimo a qualquer nível, seja económico, cultural, geopolítico ou outros. E no facto que, mesmo correndo como um outsider aparentemente distraído, a Europa talvez ainda seja capaz – talvez – de atrair o grande país eslavo para o nosso lado. Uma Ucrânia europeia seria uma espinha cravada nas mal-educadas gargantas russa e americana – e nas frias praças de Kiev o que se grita hoje é “queremos a Europa!”.

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