Ao ser empossado primeiro-ministro em 2002,
Durão Barroso recebeu um elogio público da sua esposa, que o comparou a um
cherne (um peixe que habitualmente lidera o seu ecossistema). Claro que a
alcunha pegou em Portugal. Mas em Bruxelas, após dez anos como presidente da
Comissão Europeia e devido a outras qualidades políticas que não a liderança, o
agora denominado José Manuel Barroso ganhou outro cognome: “o camaleão”. Um
animal que muda de cor para melhor se adaptar – e confundir com – o ambiente em
que está inserido.
Esta semana, o ainda presidente da Comissão (que
ainda não desvendou qual será o próximo passo da sua carreira política) foi a
Lisboa e, durante uma cerimónia em que entregou um prémio europeu ao seu antigo
liceu, declarou que “antes
do 25 de Abril de 1974, e apesar de algumas liberdades cortadas, havia na
escola uma cultura de mérito, exigência, rigor, disciplina e trabalho".
Sabendo
que este é o mesmíssimo Barroso que, nos anos da brasa de 1974 e 1975, bradava contra
as medidas “anti-operárias que não eram mais que o reflexo da crise do sistema
do ensino burguês” (o vídeo está no youtube),
já compreendemos um pouco do porquê da nova alcunha. Mas enfim, Barroso nos
seus tempos de extrema-esquerda era um jovem; tem direito a mudar de opinião.
Pelo contrário, o político tão experiente e de alto perfil em que se tornou tinha
obrigação de saber: que na escola do Estado Novo, o “mérito” era determinado
pela quantidade de dinheiro dos papás – se fosse pouco, o menino e sobretudo a
menina não estudariam, nem como todo o mérito do mundo; que a “exigência” era
do aluno ser obediente, submisso, um robot
cordato programado para decorar todos os rios de Moçambique ou os órgãos do
corpo humano (menos os do sistema reprodutor…); que o “rigor” era exercido
sobre quem tinha a imprudência de ter ideias perigosas, e quem fosse de “boas
famílias” obtinha notas altas com menos esforço; que a “disciplina” se baseava
nas reguadas e na opressão formatadora da consciência; que o “trabalho” era
pouco e de má qualidade – o Portugalinho de antes do 25 de Abril era um país de
analfabetismo e não consta que mesmo a pequena minoria que podia continuar a
sua carreira académica se destacasse, por exemplo, em rankings internacionais de educação (a posição actual do país neste
item é incomensuravelmente melhor).
Claro que Durão Barroso sabe tudo isto. Apenas
considera que a melhor cor é a do populismo, julgando que os portugueses querem
ouvir uma versão do estafado “no meu tempo é que era bom, e estes putos de hoje
em dia não aprendem nada”. Qualquer um que conheça minimamente a realidade
escolar sabe que essa ideia não tem qualquer ligação com a realidade – mas quem
sabe, talvez dê votos.
E afinal o mais chocante
até está logo no início da frase: “apesar de algumas liberdades cortadas…”.
Sim, uma ninharia. Bastava não se ter ideias, ou opinião, nem decisão, nem
independência, bastava ser-se um passivo carneiro do regime, e as pessoas
ficavam ali logo prontas a receber toda aquela cultura de mérito e disciplina.
Aliás basta olhar para as elites que se formaram então, elas fizeram de
Portugal o caso de sucesso em que o país se tornou hoje…
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