terça-feira, 13 de maio de 2014

Saída perfumada


Portugal está em festa! O seu programa de resgate vai terminar em breve. Ou seja, o país usou durante os três últimos anos os 78 mil milhões de euros que lhe foram emprestados pelo Banco Central Europeu, pela Comissão Europeia e pelo FMI, a famigerada troika; para o fazer, entregou a capacidade de decidir às entidades externas, tornou-se um satélite económico. Mas isso acabou! A partir de agora vamos pedir emprestado aos mercados quando for preciso, não precisamos de mais dinheiro alheio. A diabolização ética do conceito de dívida (tão do agrado dos novos suseranos alemães, que têm uma e a mesma palavra para “dívida” e “culpa”) inspirou directamente o nome escolhido para esta grande vitória: como anunciou o governo português, “escolhemos a saída limpa” – nada de sujidades, de conspurcação, de nódoas, de pecado; somente a redenção que a pureza da limpeza nos confere!

Os pontos de exclamação do parágrafo anterior estão carregados de ironia. Portugal não está em festa, está pelo contrário deprimido/amargurado/ desencantado/exangue. Das três hipóteses que a partir de Maio se colocavam para o financiamento corrente do país – mais dinheiro emprestado através de um segundo resgate, uma ida aos mercados resguardada por um aval da troika, ou a tal “saída limpa” em que essa ida aos mercados é feita sem rede – a escolha desta última não foi feita pelos portugueses, mas sim pelos seus credores; ninguém está com vontade de negociar novos empréstimos, mesmo que estes rendam aos credores quase 30 mil milhões de euros em juros como estes fizeram (o que não chega; agora a Finlândia exigiria a Portugal a hipoteca de activos para garantir um novo empréstimo, e presumo que seria difícil vender-nos a ideia de um palácio da Pena ou do castelo de Guimarães hipotecados…). Pelo contrário, a “Europa” – com aspas, porque esta Europa conjuntural da demagogia e do egoísmo não é a genuína, não passa de um abastardamento da bela ideia original de prosperidade conjunta – precisava muito de um caso de sucesso da austeridade para poder mostrar nas eleições que se aproximam.

No fim de contas, é sempre melhor estar fora de um resgate do que suando para o honrar. Mas a vigilância apenas abrandou, não desapareceu: Portugal tem de seguir as “orientações” – ou seja, não é dono do seu destino – até reembolsar 75% do que lhe foi emprestado, o que demorará pelo menos duas décadas. E vai agora navegar ao sabor das taxas de juro, que baixaram recentemente graças à acção do renovado BCE mas podem disparar se chegarem más notícias de qualquer parte. Entretanto, como se nada fosse, a situação económica de Portugal é agora gravosa. Três anos depois, a dívida – o problema que era suposto resolver – subiu em mais de 30% do PIB, e é agora muito superior à riqueza produzida por todo o país num ano, totalmente insustentável. O desemprego é dramático, e só não é pior porque meio milhão de pessoas, muitas das mais qualificadas e energéticas, abandonaram o país. As falências sucedem-se em catadupa. A produtividade não sobe, o sistema produtivo não se modernizou, a educação e a saúde definham. Saída limpa? Numa história brejeira que relembro, a suada personagem confessava o seu dilema: “não sei se me lave ou se me perfume”. Na melhor das hipóteses, esta é uma saída perfumada.

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