Portugal está em festa! O seu programa de resgate vai
terminar em breve. Ou seja, o país usou durante os três últimos anos os 78 mil
milhões de euros que lhe foram emprestados pelo Banco Central Europeu, pela
Comissão Europeia e pelo FMI, a famigerada troika; para o fazer, entregou a
capacidade de decidir às entidades externas, tornou-se um satélite económico.
Mas isso acabou! A partir de agora vamos pedir emprestado aos mercados quando
for preciso, não precisamos de mais dinheiro alheio. A diabolização ética do
conceito de dívida (tão do agrado dos novos suseranos alemães, que têm uma e a
mesma palavra para “dívida” e “culpa”) inspirou directamente o nome escolhido
para esta grande vitória: como anunciou o governo português, “escolhemos a
saída limpa” – nada de sujidades, de conspurcação, de nódoas, de pecado;
somente a redenção que a pureza da limpeza nos confere!
Os pontos de exclamação do parágrafo anterior estão
carregados de ironia. Portugal não está em festa, está pelo contrário
deprimido/amargurado/ desencantado/exangue. Das três hipóteses que a partir de
Maio se colocavam para o financiamento corrente do país – mais dinheiro
emprestado através de um segundo resgate, uma ida aos mercados resguardada por
um aval da troika, ou a tal “saída limpa” em que essa ida aos mercados é feita
sem rede – a escolha desta última não foi feita pelos portugueses, mas sim
pelos seus credores; ninguém está com vontade de negociar novos empréstimos,
mesmo que estes rendam aos credores quase 30 mil milhões de euros em juros como
estes fizeram (o que não chega; agora a Finlândia exigiria a Portugal a
hipoteca de activos para garantir um novo empréstimo, e presumo que seria
difícil vender-nos a ideia de um palácio da Pena ou do castelo de Guimarães
hipotecados…). Pelo contrário, a “Europa” – com aspas, porque esta Europa
conjuntural da demagogia e do egoísmo não é a genuína, não passa de um abastardamento
da bela ideia original de prosperidade conjunta – precisava muito de um caso de
sucesso da austeridade para poder mostrar nas eleições que se aproximam.
No fim de contas, é sempre melhor estar fora de um
resgate do que suando para o honrar. Mas a vigilância apenas abrandou, não
desapareceu: Portugal tem de seguir as “orientações” – ou seja, não é dono do
seu destino – até reembolsar 75% do que lhe foi emprestado, o que demorará pelo
menos duas décadas. E vai agora navegar ao sabor das taxas de juro, que
baixaram recentemente graças à acção do renovado BCE mas podem disparar se
chegarem más notícias de qualquer parte. Entretanto, como se nada fosse, a
situação económica de Portugal é agora gravosa. Três anos depois, a dívida – o
problema que era suposto resolver – subiu em mais de 30% do PIB, e é agora
muito superior à riqueza produzida por todo o país num ano, totalmente
insustentável. O desemprego é dramático, e só não é pior porque meio milhão de
pessoas, muitas das mais qualificadas e energéticas, abandonaram o país. As
falências sucedem-se em catadupa. A produtividade não sobe, o sistema produtivo
não se modernizou, a educação e a saúde definham. Saída limpa? Numa história
brejeira que relembro, a suada personagem confessava o seu dilema: “não sei se
me lave ou se me perfume”. Na melhor das hipóteses, esta é uma saída perfumada.
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